Nas páginas do caderninho, havia mais pinturas e desenhos, muitos sobre seu futuro, do que as lições escolares. Chegou a pintar a professora, pois dizia que ela não conseguia ver cores na coitada. Eu não a culpo, eu também ganhei um caixinha de lápis na minha infância, mas isso já faz muito tempo e hoje não consigo enxergar as cores que minha adorada neta tanto distribui por aí.
- Joana, venha cá. – Chamei-a, interrompendo o que fazia.
- Oi, vovô. – Disse, caminhando até mim.
- Porque você vive pintando as coisas? – Questionei-a, dando-lhe um beijo na testa.
- Ah, vovô, eu não consigo ver cores nas coisas. Não gosto disso.
- Sabe Joana, eu era igualzinho a você na sua idade, e também tinha uma caixinha de lápis de colorir e saía rabiscando tudo o que via.
A menina estava atenta às minhas palavras e eu continuei:
- Mas, o vovô já não enxerga mais as cores que estão nesses lápis que te dei. Hoje, o vovô enxerga como todo mundo, em preto e branco.
Joana olhava confusa para mim, enquanto um sentimento de compaixão tomava conta, me abraçou e começou a derramar pequenas gotículas em meus braços.
- Ai vovô, quer que eu te dê meus lápis? – Perguntou Joana, olhando-me.
- Minha pequena, não chore... Eu não posso mais ver cores, é verdade, mas um dia eu pude, assim como você vê. Posso te contar um segredo?
Joana tirou uns fios de cabelo do rosto e com a cabeça, respondeu que sim.
- Olha aqui nos meus olhos. Repara bem... Consegue ver? – Perguntei, puxando a pálpebra inferior com dois dedos.
- O que vovô?
- Olha direitinho, Joana.
Ela observou, atenta aos detalhes e logo achou o que eu me refiria.
- Vovô, são essas pintinhas coloridas dos seus olhos?
- Eu sempre fui um menino esperto, quando vi que meus lápis iam acabar, guardei um restinho e colori o fundo dos meus olhos. Vez ou outra, eu ainda vejo as cores, quando me dou a esse prazer. Elas estão guardadas dentro de mim e jamais deixarei que elas morram.
Joana ficou contente em saber do meu segredo, me deu um beijo no rosto e voltou ao que sempre fizera, colorir. E lembro-me de ter rezado naquela noite, rezado muito, para que os lápis de Joana durassem pra sempre, ou o maior tempo possível.
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