sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Eu, que de tão eterno
Me vi efêmero
Veja bem, certa vez um sonho me disse:
"Gente só entende pelo oposto. Não há como explicar as trevas sem a luz.
Compreenda: viver é se afogar no passageiro para crescer as asas do eterno."

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Pobreza e Maldição.



Pobre maldito cantor
Preso no corpo de um bailarino
Contorcendo sua dor,
Sufocando seu destino

Pobre maldito moribundo
Sob os trilhos retos e honestos
Contraindo a euforia entre os gestos
Colocando-se à margem do mundo

Pobre maldito poeta
Perdeu a pena e o papel
E os versos que engaveta
Dessa vida tão cruel

Pobre maldito menino
Inebriado pela própria inocência
Entregando-se ao cortejo cretino
Da vida que só lhe traz insolência

Pobre maldita alma
Sob o invólucro da dor
E da insegurança que traduz a calma
Da insanidade de ser sonhador
Entregando-se aos passos
Abafando a garganta,
Que a inveja dos deuses confronta

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Adulto.



O céu enegreceu de vez. Não há retorno depois do ponto-limite, então, aqui estou eu, num barco à deriva. Sem chamada de emergência, sem mapa, sem volta. A vida concebe nossas causas, nós determinamos as consequências. A benção da existência humana é a escolha, a desgraça, também. As lágrimas, como é sabido, são o sangue da alma, contudo, não valem um vintém no câmbio da vida. A moeda de troca é a dor; e de dor em dor, as lágrimas perdem valor. Ou seja, uma lágrima depois dos vinte é mais cara. O alívio torna-se objeto de luxo, e os prazeres esdrúxulos e antes estranhados, depois enaltecidos. Pois, a única alternativa que o destino nos deixa é uma auto-felação numa tentativa errônea de compensação. Convenhamos: quando se está perdido num deserto árido e morto, qualquer sombra é palácio.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Borderline.



Ao acordar, penduro os lençóis ao sol, para que sequem. Todas as manhãs os lençóis estão encharcados. O sangue que verto ao sonhar ensopa e suja o chão do quarto. Não há água e sabão que dê jeito, todos os dias são os mesmos. Visto-me da cabeça aos pés e ando em posição artificialmente ereta – todos andam assim. Meus traços levam uma serenidade de quem se equilibra numa faca, mas ninguém percebe – o mais importante é o silêncio, caso não seja dito, ninguém verá. As sobrancelhas, por exemplo, guardam a forma exata de se tensionarem para que não transpareçam mais do que devem. As mãos, sempre atadas à cintura, para que se alinhem com o tronco arduamente colocado de pé. O instinto do abraço eu deixo que escorra chão abaixo – ninguém o tem. E o dia, então, começa. O cuidado é dobrado: não encostar-se a nada, não transparecer, morrer ao colocar o pé após a linha da porta. O sangue escorre a cada passo, ensopa as roupas, se espalha pelo chão. Eu sinto mais frio que os outros, a carne crua está camuflada pelos quilos de roupas que carrego comigo, numa tentativa suplicante de não ser notado – porém, o mais importante é o silêncio.
Meus lábios, sempre serrados à serenidade, mentem sobre o que me cobre os olhos. Não há choro. Porém, há o risco de avalanche sempre eminente. Sirenes de terremotos. Sentinelas que vigiam um mar predador que espreita minha vontade. E anjos que guardam meu segredo: eu sou uma maldição. Um cio descontrolado e castrado mascarado pelo sol que se estende acima. Um canal que se obstrui e o sangue que flui pelos pés. Os dias se tornam mais exaustos quando não existe opção de caminho e o músculo rasga, descarrega minha força. Gladio impetuosamente contra a manada que conflita para entrar em controle. Há várias cabeças de leões no quarto quando fecho a porta, uma a mais no dia seguinte. Há várias marcas que trago no corpo; e a súplica por uma queloide que seja, contudo, o líquido vermelho ascende à luz e jorra – nem rápido, nem devagar, apenas continuadamente. Sou feito de carne e sangue. Eu sinto muito – não falo de lamentação, mas literalmente. Uma infeliz literalidade.
 Hoje estou cego, também. As luzes, sempre tão fortes, encandeavam tudo ao redor. Só existia a luz azul, ou a vermelha, uma preta ou uma branca. Nunca pude enxergar além do brilho. Nunca pude compor uma paisagem inteira. Contudo, veja a minha beleza. O sangue que verte da minha carne é vermelho vivo, meu espírito aflora. O sangue escorre pelo braço e eu escrevo em letras garrafais:
“Todo e qualquer ser humano é perdoável, pois a dor – qualquer que seja – é o câmbio da vida.”


quinta-feira, 16 de abril de 2015

Afogado.

Hoje a casa está inundada. Desde a tua partida, a água vem se acumulando pelos cantos, fazendo poças, inundando os cobertores que serviram de teto aos nossos corpos. Tenho me afogado com frequência. E agora eu te causo a sede, te deixando à mercê das águas mais vagabundas para te saciar. Por mais que me preocupe, sei que não devo. És dono das tuas escolhas, do teu destino e da tua desgraça. Só não podia desmoronar junto contigo, seria injusto. Tenho água demais e tu sabes. Posso matar a sede de qualquer um que se encoraje a adentrar no meu recinto, tomar um café e dividir as lamúrias comigo. Por isso, eu escolhi te deixar da porta para fora. Antes morrer afogado num amor que não doei, que aceitar de bom grado as tuas adagas.