domingo, 23 de dezembro de 2012

Lição 01 – Flores


Havia tantas flores dentro de mim, que quis, um dia, apenas por bom grado, dividi-las. Eram medicinais e preveniam muitas chagas. Mas aqui fora descobri que eram espinhosas o suficiente para ferir. Aprendi a cultivá-las no escuro das minhas vielas.

sábado, 22 de dezembro de 2012

Minha vida, aqui, é mímica.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012


Vago com a sina de conter o amor nos braços, mãos, boca e garganta, porque o silêncio soa mais coerente em tempos tão bestiais como estes.




quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Gosto.


Meu doce é de gosto marcado
Parece chiclete mascado
Mas o tempo ajuda a viciar
A leveza do meu sabor
E a fúria do meu gostar.

Meu tempo, teu tempo.


Tenho tempo pra vaidade, não.
Nem pra tanto desperdício.
Mas tenho pro amor. Tu tens?
Tenho tempo pra tantos sorrisos quanto couber
Tenho tempo pra olharmos o céu, até
Tão juntos quanto puder
Tenho tempo pra molhar tua boca
Pra pegar tua mão
Pra te fazer uma declaração
Tenho tempo pra te mostrar meus rabiscos
Tenho tempo pra te pintar de quantas cores quiser
Tenho tempo pra te fazer suar
Tenho tempo pra te envenenar
Tenho tempo pra escrever, eu e tu
Tenho tempo pra juntar, eu e tu
Tenho tempo pra construirmos um nós.
Mas eu quero teu tempo pra tudo isso fazer
Por isso tem que me responder
Desse tempo não te deixo escapar
Quer me namorar?

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Castin, que matou Lusto.



Um planeta distante, muito distante. Em sua órbita no cosmos, em algum ponto de um espaço-tempo diferente, a vida brotava de seus compostos, em diversas vertentes, evoluindo conforme as leis da consciência universal. Naquele planeta havia uma espécie de pensantes, muito parecidos com os humanos. Eram espíritos e eram animais, engatinhando na eterna escala do aperfeiçoamento. Estando em qualquer parte daquele mundo, os costumes eram estritamente solitários e dominadores. Acostumaram-se a não andar de pés nus, no chão. Acostumaram-se a dominar e usar outros animais (semelhantes aos cavalos) para se deslocarem. Ainda estavam no estágio inicial de inteligência e a cultura era demasiadamente primitiva: Cada indivíduo possuía manadas de vários e vários animais. Os corcéis usados eram os que lideravam fisicamente a tropa, num dado instante, a qualquer momento; ou seja, as trocas de sela eram constantes durante o dia. A habilidade de mudança de sela foi adquirida conforme as gerações.
Aquela espécie de humanóides nunca tocava o chão, seus acampamentos eram raros e quase sempre, feitos acima do solo. Costumavam dormir no alto dos galhos entrevados das árvores grossas e secas que brotavam daquele chão morto. O dia começava assim que os sóis apontavam ao horizonte.
Castin tocava sua manada perante o deserto, no estreito equatorial e seco. Com água escassa e, consequentemente, falta de alimento, ele galopava com seus mais de vinte animais, cortando o deserto de rocha de um ponto a outro. Além de bons corcéis, ele também tinha o dom de saber escolher cada bicho.
Castin sempre regeu seus corcéis com mãos de fogo, fazia questão de escancarar o seu autocontrole e dominação aos mais novinhos. Mas desde Lusto, seu orgulho estava jogado à lama, literalmente. Lusto apareceu de repente, numa época de chuva, em algum lugar do oeste verdoso do deserto. Era filhote e Castin não soube como ele estava sozinho naquele lugar inabitado. Pegou-o para si e, aos poucos, tentou mostrar como tudo seria dali para frente. Lusto, então, cresceu, e adquiriu uma força um tanto incomum para os corcéis. Era grande, com patas grossas e imponentes, longos pelos da calda e do pescoço, jogavam-se ao vento com a velocidade que aquele corcel adquiria, quando queria. Castin ficava observando-o nos momentos de descanso que a sombra da tarde lhe dava. Em cima de um galho grosso o suficiente para aguentá-lo, os olhos de Castin fitavam a rapidez daquele animal quando não estava sob seu controle. Apesar de querer usufruir daquela força que Lusto tinha às patas, Castin achou por bem esperar a hora certa.
Era noite e nenhum amontoado de árvores secas à vista. A manada estava desgastada pelo dia árduo e o sono já balançava os olhos de Castin. Apesar de nunca ter insistido para Lusto avançar ao primeiro lugar para poder montá-lo, Castin sempre quis experimentá-lo. Uma das luas brindava o céu com uma luz verde e forte, transfigurando o chão num espelho natural de luz. Castin sorria ao vento, mesmo estando tão exausto. Tanto quanto de repente, Lusto toma o domínio da manada e Castin se vê no momento de mudar de sela. Surpreso, montou Lusto e tentou tomar as rédeas. Mas Lusto era prepotente e mostrou a Castin que do seu modo era muito melhor. Ganhou uma velocidade incrível , deixando seu montador bestificado com a sensação de voo que tivera. Em êxtase, Castin se deixou seduzir pelo vento, pela luz da lua varrendo o chão de pedra e pelo frio que sussurrava em sua pele. Estava tão hipnotizado que nem se deu conta de que Lusto atravessara uma estreita faixa verde que dava num imenso oásis no meio do deserto. Castin sabia que não era inteligente entrar num estreito verde, e ainda mais, quando a luz não enchia os olhos. O transe passou. Após o clímax daquela corrida tão intensa, corcel e montador estavam atolados num pântano.
O esforço que Castin tivera para tirar o bicho e a si mesmo daquela lama toda, foi o mesmo que tivera para esbofetear a cara cínica com que Lusto lhe fitava. E aquilo não parou ali: Lusto continuou mais e mais rebelde. Eram raras as vezes que ele tomava o controle da manada, mas quando ocorria, Castin se deixava dominar pelo instinto selvagem e primitivo do corcel. Contemplava o prazer puro e físico de um momento em que, logo após, viria alguma desgraça.  Espinhos, penhascos, um bando de lobos grandes e tantas outras enrascadas o infeliz se metia por sua fraqueza pelo prazer que a liberdade de Lusto lhe dava.
Os ciclos dos sóis foram se sucedendo. Castin estava amadurecendo e percebia que aquele corcel só lhe dava aperreios. As situações de perigo vieram aos montes depois que o tempo passou. Lusto, ainda mais forte e mais hábil, já não deixava a preguiça dominar sua vontade de estar à frente da manada para poder ir aonde bem entendesse. Isso acabaria por destruir o pobre montador e ele se dava conta disso. Passou noites inteiras pesando os prós e os contras de o corcel continuar em sua manada. O prazer da liberdade que Lusto soprava-lhe ao rosto era imediatamente abafado pelo perigo conseguinte.
Os corcéis só podiam se libertar dos montadores de uma única maneira conhecida naquele tempo: A morte. Castin era frio e rígido, mas tinha sentimentos. Além do vício da liberdade ser um forte empecilho para se livrar de Lusto, ainda havia a pena que abrandava-lhe o coração. Enquanto se dedicava a traçar o destino do corcel, seus olhos vislumbravam a felicidade de estar livre daquele animal, correndo até mesmo em círculos, ao luar. A compaixão seria mais um desafio dos dias sequentes.
Lusto parecia estar sentindo algo diferente, depois daquela noite acordada que Castin passara. Castin, tentando tomar coragem nos dias seguintes para, então, se livrar daquele problema, sentia o animal um tanto abatido. As forças para cravar-lhe o punhal na garganta eram levadas a cada dia vivido. Mas a força da natureza prevalece diante de qualquer tempo, seja lá qual for.
Estava anoitecendo e Castin travava a mesma luta diária com sua manada. Já fazia tempo que Lusto ficava com os últimos do bando e ele já se acostumara com a nova personalidade passiva do corcel. Entretanto, Lusto começou a avançar dentre os outros corcéis e Castin, mesmo estranhando, montou-o. A maneira que o corcel levantou agilidade, o cavaleiro ainda não havia experimentado. Lusto conseguiu escalar até os montantes de rochas que encontrava pelo caminho e deixou muitos de sua tropa para trás. Castin, óbvio, estava entretido demais para se dar conta. Os sóis ainda estavam à vista e, se antes o frio lhe soprava, agora eram as brisas mornas do fim de tarde. A luz dourada estendida à tapete no chão diante das patas de Lusto, as nuvens pareciam saudá-lo e a poeira que aquele bicho ágil deixava a cada atrito dos cascos com o chão extasiavam por inteiro o corpo de Castin. Entretanto, a liberdade ao extremo do limite nunca lhe custou tão caro.
 Era a estação seca, em que as bestas-feras estavam ainda mais perigosas. Apesar de hábil e experiente, Castin não conseguiu perceber que Lusto corria para a morte, ao se deparar com um desfiladeiro de ossos. Tão tarde, mas antes que nunca, Castin caiu em si, aos poucos, e viu a estupidez de, mais uma vez, deixar-se levar. Lusto, além de perder boa parte da manada, o levou para os dentes da morte, no covil de bestas-feras. Também não tão tarde, elas farejaram intrusos e logo deram as fuças. Eram três naquele lugar. Mas o suficiente para acabar com o resto do bando que restara.
Três monstros enormes e Castin, Lusto e dois corcéis restantes estavam encurralados. Uma parede de rocha de um penhasco imenso se punha à frente deles, e as bestas, logo atrás, andavam lentas e majestosas, cientes de que estavam com o banquete pronto. Castin ainda montava Lusto e, sob desespero, pensava em como sairia com vida dali. De imediato, pensou, o primeiro a ser sacrificado seria Lusto. A muito custo, conseguiu trocar de sela, tentando entregar Lusto para as bestas. A primeira – provavelmente o macho, observou Castin – mirava o montador com certa avidez. Ela o queria; não à toa, golpeou um dos corcéis com sua pata imensa e deixou-o para as outras duas, que de tão famintas, não viram Lusto correr.
A vala estreita de pedra deixava Castin cada vez mais sem opção. Não havia para que lado escapar e à sua frente, a besta parecia sorrir para ele. Dentes tão enormes... Se eram afiados, Castin não fazia questão de saber. O corcel dava seus passos para trás, até que a parede de rocha não permitiu mais. Era esse o fim de Castin. Seus olhos e os da besta estavam presos, como numa dança mortal, nenhum se atrevia a deixar escapar o olhar do outro. Castin sabia que não adiantaria sacrificar o corcel, pois a fera o queria, parecia até uma questão de honra. A passos lentos, ela se aproximava. Castin preparava o punhal; lentamente escorregava a mão esquerda até a cintura para pegar a lâmina que seria sua única possibilidade. Talvez ironia, ou talvez o destino quisesse reafirmar sua morte, alertando-o que não teria saída: as duas bestas terminaram com o corcel a elas jogado e vieram acompanhar o resto do banquete. Uma delas avançou a frente de Castin e levantou a pata. Foi violentamente repreendida pela primeira, a que almejava o montador e a briga começou. Dois titãs degladiando e a oportunidade de se ver livre dali. O corcel saltou alto sobre o embate das bestas e pôs-se a correr. Não tão longe, pois logo foi abatido pela terceira. Castin foi arremessado ao chão, enquanto a besta devorava seu último corcel. Como ele sairia dali? Nem precisou pensar muito.
Lusto surgiu de uma rocha alta e saltou bem à frente de Castin. Com certa dificuldade, levantou-se do chão, apoiando-se em Lusto e montou-o. Lusto foi hábil e conseguiu sair daquele covil. Galopava tão rápido que a paisagem parecia ser engolida pelas suas patas. Já era noite, mas Castin estava irremediavelmente decidido.
Não mais a habilidade, nem a compaixão ou o dom da montaria. O que guiava Castin era o ódio. Por causa de Lusto, agora ele perdera tudo. Não havia mais nenhum corcel e o seu coração rejeitava o único que sobrara, justo aquele que assolara a desgraça sobre seu montador. Chegou ao ouvido direito do animal e cochichou, mandando-o correr como nunca havia corrido, pois aquela seria sua derradeira. Levou, então, a mão direita ao punhal, pendurado na cintura. Enquanto Lusto corria gastando toda a força das patas, pensando assim fugir da morte. Castin enterrou o punhal na garganta do corcel e rasgou-a de baixo a cima, só largando a adaga quando o maxilar robustodo animal o impedira de prosseguir.  Lusto caiu instantaneamente, assim como seu montador.
 Deitado no chão, com alguns poucos arranhões e Lusto logo mais atrás, agonizando pelo sangramento, Castin estava satisfeito. O sangue de Lusto aguava a terra morta. As estrelas contemplaram a morte do cavalo e Castin contemplava o seu fracasso diante de um único corcel. E, pela primeira vez em muito tempo, colocou-se de pé para, com os pés nus no chão, fazer o próprio caminho.
Na verdade, tudo é mentira. Castin nunca foi um montador e nunca teve manada nenhuma. Nem muito menos poderia matar corcel algum, o qual montava, porque Castin é um centauro.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Pessoas tém um incrível ponto de visão, de nome sexualidade. Interessante como um sorriso é interpretado como algo pecaminoso e inconveniente. Assim como apenas um olhar é o suficiente para gerar guerras inteiras – desnecessárias, quero ressaltar.
Não me interprete mal, nunca! Eu não queimo, não inflamo nas labaredas do desejo, e muito menos sou uma besta. Meus sorrisos são sinceros, e são apenas sorrisos. E deixo a garantia de que meus olhares são apenas de curiosidade, sou um observador nato, com fome e sede.
Ah, e quero grifar que tenho o respeito como um de meus traços essenciais. Não levantaria um dedo em detrimento de alguém, muito menos do que une duas pessoas. Penso ser o amor algo valioso demais para ser violado.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012


Minhas palavras são esguias, eu sei.
Escorregadias também, não é?
Eu também sei.
Desculpe, é que não sou muito bom após os limites de mim mesmo. Aqui dentro, tudo faz sentido.


terça-feira, 20 de novembro de 2012

Palavas são a minha virtude.
Pessoas são ingratas.
Agora, será 1g de frases por 1 kg de "muito obrigado".
Pagamento adiantado, por gentileza.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Desbrinde à vida.


Às vezes, eu canso de tentar. Eu caí aqui de para-quedas, sem bagagem nenhuma e sem ao menos uma recepção de boas-vindas. Ando pelas trilhas desse mundo numa bolha isolante. Tento arrancar um sorriso meu ao ver os outros, mas é muito complicado. É frustrante ver que, para eles, é tão simples, tão fluente. E ainda te vêem como um completo estranho, te marginalizam por ter uma diferença astral. É quando você se sente a pior das criaturas. Não há palavras, não há olhares, nada! O que fica é a perda de tempo. Sim, porque é quando você desperdiça umas boas horas, com a falsa esperança de que tudo vai mudar daquele instante em diante. E é nessa cena que entra a realidade, como um trator, sem piedade alguma. Destrói tudo. Olha, devo confessar que, a essa altura, às vezes nem dói tanto assistir tudo de braços atados, trabalhando apenas a favor da gravidade. Mas as forças se vão. Se vão e deixam um vazio enorme como recompensa por não blasfemar contra do destino. Há dias em que esse baque é leve o suficiente para que eu não chore, mas há outros que fico estirado ao chão, tentando ao máximo não me mover nenhum pouco, pois só o fato de respirar dói o bastante. É aí que geralmente olho para o céu e faço uma pergunta: “O que queres de mim, Senhor?”.
Os dias de me perguntar constantemente o que tudo significa ainda não se foram. Eu não entendo esse mundo. Parece que o DNA humano não configurou muito bem com meu espírito esquizofrênico, diferente, distante. Eu vivo pra desvendar as pessoas, vivo para tentar achar uma brecha nessa bola de aço maciço em que vegeto, e que me impede de viver em comunhão total. Ela me proporcionou uma individualidade fora do comum; sinto que por mais que eu mostre todo um jardim que cultivei durante toda a vida, os outros nunca vão parar para enxergar. Há muitos instintos guiando essa espécie e acabam por ser mais individualistas do que eu. Os interesses corrompem as relações, deixando momentos de felicidade descreditados. O amor é vivido em migalhas, diante de muita coisa desnecessária. Há um peso por amar. Há o preço que o amor paga em sangue pelo próprio individualismo e o individualismo alheio. Culpa apenas da evolução.
Já tentei sobreviver aqui, em minha forma natural. Estive, durante muito tempo, com o espírito acima da carne. Mas isso despertence à realidade desse mundo. Há tantas adagas voando em todas as direções que estava insuportável viver desse jeito, e a escolha foi feita. Caso eu não me adaptasse, não suportaria muito tempo. Sinto que há algo a fazer aqui, algo grandioso, pelo menos pra mim. Mergulhei na poça de lama. Sendo melodramático, mas não menos realista, talvez seja esse meu último suspiro. Seja essa a mão que eu estendo à vida neste planeta, o último esforço que faço para conseguir ficar de pé e continuar. A lama, que hoje impregna meu corpo, é a proteção que lanço à minha alma, já que, aparentemente, não há pele e ossos suficientes para comportá-la.
Todos esses problemas seriam resolvidos por um mediador. Há alguém que o destino sugou para longe de mim. Há alguém que deveria estar aqui, mas não está. Esse alguém seria meu mestre, assim penso. Sinto que não aprendi a respirar os ares daqui, não aprendi a suportar o peso constante sobre a cabeça, não aprendi a usar meu corpo. Isso é doloroso demais. Tenho que aprender tudo na marra, sozinho. É aí que as noites vêm e me mostram que estou muito só. Há manhãs que vejo o céu, pergunto por respostas; pergunto quando estarei completo novamente. Não sei se encontrarei o fio que unirá todas as minhas partes como se deve, quem sabe não está em alguma esquina?
O caminho está mais nublado a cada passo. E eu morro de medo. Tenho medo por não enxergar, por não ver onde estou pisando e onde meus passos vão me levar. Tenho medo de me deparar num lugar estranho. Se bem que é tolice de minha parte, já que eu sou o retrato nítido, em 3x4, da diferença. Mas o medo é uma das emoções humanas e eu sou humano agora. A lama pode me deixar mais vulnerável, então, já que não tinha tanto medo dessas estradas antes. No mais, aos dias, vou arrumando a mala. Deixo-a preparada, embaixo da cama. Algum dia eu terei que voltar, já que aqui sou estrangeiro. E tenho que confessar, de coração aberto, que sinto muita saudade – nem sei de que, exatamente, mas sinto. 

quarta-feira, 7 de novembro de 2012


Não gosto de ouvir as vaidades alheias,
Meus ouvidos estão cansados demais para trabalhos desnecessários;
Muito menos a gabança de uma vida recheada de tantos tesouros terrenos, desprovidos de brilho e de densidade;
Ainda, não suporto futilidade de uma estética fria, superficial e encalhada numa auto-aclamação permanente, na sede de se suprir uma cômica carência de aceitação.
Quero apenas o que for meu por direito. Sim, pois um trabalho tão árduo de procurar diamantes em meio às pedras secas, que se esfarelam ao toque, me dá pleno direito sobre as raras jóias que encontrar pelo caminho. E ai de quem tentar tomá-las de mim! Ai!

domingo, 4 de novembro de 2012

De Verão.



Me ensina a brincar contigo, menino
Espera eu me transformar,
Me diz como me despir de mim
E ir pro mar, vagar.

Não sei andar como teus passos,  menino
Talvez eu não precise igualar,
Confia teus segredos a mim
Pra gente poder amar.


segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Rima Cangaceira


Confesso que meu maior pecado
É ser exagerado
Num polo, apenas o quente
O frio, no oposto
Morno não é coisa de gente
Isso é questão de gosto

Em cores
Só digo branco e preto
Cinza fica para os amadores
Não serve nem pra amuleto

Para o tempo, só duas escolhas
Agora é para já
Ou nunca mais, para decidir
Pois o talvez, de me acovardar não há
Aqui não pode residir

Pra finalizar
Te digo como comigo lidar
Em terra de cangaceiro
Só cabra macho é faceiro
Não pode se tremer
Palavra de homem tem que ter
Aqui, ou se dá
Não importa o que acresce
Ou vai dançar
Só frouxo é que desce.

terça-feira, 23 de outubro de 2012


Escrevo nas palavras elementos de mim
E de mim, construo universos inteiros
Fundamento-os nos meus próprios mistérios
E lanço-os à sorte de, algum dia, quem sabe,
Alguma pobre alma venha a compreendê-los.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Caso queira me conhecer, amanheça um dia comigo.


terça-feira, 25 de setembro de 2012


Passo a não me contentar com as migalhas que o vento insiste em me trazer. Cansei de juntar pedacinhos ínfimos e desumanos na língua seca de uma boca escancarada e pateticamente esperançosa.
Se a vida me deixa sem opção de uma comida digna de um homem feito, que eu definhe de fome, emagreça e morra. Há tempos que a chuva não me traz vida, e há muito que enxergo em branco e preto.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Com Você (I'll Be There)



Ei, rapazinho
Morfeu visitou-me hoje, antes de despertar. Deixou-me com a rosa que havias visto, mas ao pegá-la, furei os dedos. Sabe, não importa. Falo-te com um sorriso carregado de satisfação.


sábado, 14 de julho de 2012


Em sua afirmação, Protágoras diz que o homem é a medida de todas as coisas. É de praxe da arrogância e prepotência humanas achar que nessa mesma medida, Deus pode ser enquadrado.

sexta-feira, 13 de julho de 2012


... E às vezes eu olho para o céu, e sinto tanta saudade. Às vezes, eu penso que desistir seja tão fácil e rápido, diante do terreno arenoso e seco da vida. Mas diante do peso de respirar, peço apenas para viver o essencial; e que de resto, eu tenha a paz de ser eu mesmo.

Crucial.




Houve um tempo que foi crucial. Nele, eu poderia ter aberto uma estrada larga, de duas vias. Fundamentado toda a minha realidade única, em mármore e fazê-la independente.
Por isso, evito olhar o espelho hoje em dia. Ele gosta de gritar comigo. Aponta os traços que o tempo me deixou, e deixa a tristeza de saber que à beira-tempo, deixei que as águas fluíssem com tanta força, enquanto eu estava ocupado demais com meus brinquedos.
Eu era apenas uma criança, não tinha forças para abrir caminhos na mata densa e complexa da vida; muito menos, para entender o que seria de mim logo após. Não lembro de tanta coisa; aliás, é o que me dói e me angustia. Apenas luto para levar ar, água e comida aos resquícios de lembranças que o tempo me deixou como migalhas, de uns poucos dias da minha vida em que fui, completamente, feliz.

sábado, 19 de maio de 2012


Enquanto eu anseio viver minha pura e simples natureza, eu repudio a floresta de pedra que me cerca e me afronta e alberga todo o inferno do mundo.

segunda-feira, 12 de março de 2012


Tudo o que vai, volta. A diferença entre a vingança e a sabedoria está justamente em saber o que fazer.
Usar de palavras para fazer sangrar pode até ser recompensador, mas melhor do que ver o outro sangrar, é ter a capacidade de apontar os pontos fracos suscetíveis ao erro, suavizá-los ou fortificá-los.
O eufemismo do amor abranda até as feridas.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Pedir.


Foi numa andada despretensiosa que encontrei, por acidente, o que tentei descobrir escavando, religiosamente, verdadeiras fortalezas. Estava atrás de uma cortina empoeirada de recordações – aparentemente desconexas – mas que acabaram fazendo sentido. Atrás daquela cortina alta, de camurça vermelha, havia um buraco enorme. Tão, mas tão grande, que me bestifiquei nunca ter notado. Interessante como a cortina estava estrategicamente colocada para disfarçar todo o tamanho. Sempre passei por aquele pedaço de pano esguio, pendurando dentre os quadros de infância; perguntava-me o porquê daquilo todas as vezes que a avistava, mas nunca tive coragem o suficiente para levantá-la. Bem, hoje ela estava aberta, pelo que me pareceu. Não ousei olhar aquela imensidão por mais de uns poucos segundos.
Lembro-me de minha mãe falar, que quando eu era criança, pedi para que ela me comprasse algo. Ela nunca pode comprar. Nem que tivesse todo o dinheiro do mundo ela poderia comprar. O mais engraçado é que o que pedi para que ela me comprasse, foi um irmão.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Oração 01.



Há algumas semanas que venho conversando com Deus. Eu disse a Ele que tenho medo. Medo pelo tempo, pelos nuances da vida, medo pelas situações inesperadas. Mas eu lembro que pedi com uma força que guardava há um tempo, pedi para que fizesse desses laços que construí ao longo de um ano, os mais indestrutíveis que já havia visto; que os tornasse indefinidos, pela liberdade das formas que poderíamos ter; implorei que os tornasse progressivos e eternos, para que em qualquer momento da caminhada crua de qualquer um, os outros estivessem a postos. Tive a audácia de pedir que a força que brota de mim em relação a todos eles fosse recíproca. Amor é sacrifício, e a minha amizade é verdadeira. Expus as noites que não dormi tão logo quando deitei, por pensar nos inúmeros perigos que essa amizade corria. Relembrei das vezes em que as partidas foram doloridas e que a saudade era um monstro que rondava como um coiote faminto.
Sabe, eu nunca tinha sido tão sincero ao levantar meus olhos para o céu. De repente, me vi como estava há um ano: sozinho. Hoje, nós estamos no começo onde a estrada começa a dar os sinais da individualidade, e isso me deixou arrasado. Eu estou triste. Estou triste porque nunca tive algo parecido diante das pessoas que entraram e saíram da minha vida. Nunca tive momentos, em que as horas de lazer se tornaram um laboratório, onde eu podia observar as respostas para os ‘porquês’ que sempre estiveram presente na minha cabeça. Eu obtive uma grande quantidade de materiais, devo ressaltar. A minha gratidão estará estampada nos meus olhos e sorriso, quando qualquer um deles precisar gritar por mim, ou quando houver um reencontro... Eu pedi a Deus para estar por perto, sempre que precisarem de mim.
Sei que não devo chorar, que a vida nem sempre é justa o bastante para percebermos. Sei que ao longo dos anos, tudo vai perdendo o encanto, pouco a pouco, e ficando cru, sem gosto algum. E esse foi o motivo para mais um pedido: Para que os agentes duplos da vida nunca tenham poder suficiente para derrubar a fortaleza dessa amizade. E que o tempo, ao invés de um agente que permeia o esquecimento e a distância, se torne um fermentador da saudade da época em que tudo era sorriso. Que a distância se alie com o destino, e tracem rotas em retas perpendiculares, redemoinhos que se cruzem, e caminhos que se unam novamente.
Certa vez me perguntaram: ‘E se não for verdadeira? E se eles não sentirem por você o mesmo que você diz sentir por eles. ’ Bem, eu não me importo. O amor é desapegado, é o que dizem, mas deixando essas filosofias de lado, eu coloco apenas a minha palavra para dizer que vou amá-los de todo o jeito. A distância vai ser dolorosa? Vai. Mas não vai apagar aquelas recordações. As mudanças vão ser dolorosas? Vão. Mas não são tão fortes quanto o que edifiquei. As rejeições vão doer? Demais. Mas só vão me mostrar o quanto fui verdadeiro, e o quanto sou capaz de amar. Vou amá-los. Apenas isso.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Parede.

Enquanto o perfeccionismo berra aos meus ouvidos, destruo tudo o que estava a erguer; sou um pobre amaldiçoado que nunca parará de levantar paredes na vida...


terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Peso Morto.



Era uma vez um balão
Cujo baloeiro carregava uma pedra de estimação.
Aquela pedra nunca lhe serviu para nada
Só a tinha por que dela ele gostava.
Um dia, decidiu jogá-la fora
Distâncias mais altas ele consegue agora.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Frio.


Eu não quero viver o frio que assola o lado de fora... Há quem tenha hipotermia e nem saiba.


segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Caixinha.




De passos incansáveis, enches a noite minha
Ao som de um maldito polifônico
Calo a aflição de teu pé à pontinha.

O teu palco, o espelho
Aos meus olhos, a fome
De uma dança sem autor, nem pronome.

Ecarte, bailarina!
Gira, gira
Traz-me um sorriso
Tin tin tin tin
Demi pointe.

Guardo a tua doçura
Os teus gestos preciosos de pequena estrela
E a perfeição eterna levada na postura.

A graciosidade que carregas às mãos
De proteção hei de te enlaçar
Para que não mais tema te ver despedaçar.

Serás sempre minha
Em cima de minha escrivaninha
Não te preocupes, a chuva não se demora
Não há tanto interesse lá fora.

Dedicado a Catarina Linda Nunes

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Da tua hipocrisia, eu rio. Rio alto o bastante para que te atormente por uma noite inteira...

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Transcendente.

E que a brisa que passa, desmonte meu corpo de areia. Nunca fiz parte daqui, sou espírito, sou força transcendente. Aqui, sou pássaro sem canto. Minha natureza é a emoção. Quero ser o horizonte, o brilho do mar que reflete o sol.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Aos Teus Olhos

 “Aqueles olhos azuis são duas pedras preciosíssimas, cujo valor eu nunca poderei pagar.”







Olhando o planeta que nasci de uma forma tão única como agora, vejo a magnitude da criação. Uma imensa bola azul que respira vida e que comporta a vida. O azul tão ríspido e vívido que vejo, me deixa o sopro cruel da saudade. Julgo, como um tolo, talvez, que o ápice deste planeta seja mesmo o amor. Há tantas formas, tantos meios de o amor nascer e crescer. Nunca soube amar, penso, mas agora vejo que tudo o que vivi de uns tempos pra cá, foi temperado com amor. Um tipo de amor único, fraternal, embrulhado de desejo. Eu tive um amigo, que abracei; um irmão, que estava comigo o tempo todo; e um amante, que perturba minha mente inquieta até num momento como este. O azul dessa imensidão de águas me lembra o mesmo azul por qual me apaixonei: o azul dos olhos dele.
Após o sucesso final da terraformação de Marte, eu nasci. Vivenciei de perto a mudança da elite para a Nova Terra (como o antigo planeta vermelho passou a se chamar). Há tempos que esse grupo restrito de pentalionários investe grande parte de seus lucros na experiência faraônica da transformação de marte em uma réplica fiel à Terra. Sim, porque há muito a Terra mergulhou numa escuridão, formada pela camada de nuvens de poluição acumuladas nas camadas da biosfera. Além disso, o caos estava instalado e a população foi dizimada por pestes, guerras e os mais catastróficos acidentes de usinas de fusão e fissão. A maioria das casas passou a ser construída no subsolo, pois os furacões e afins eram constantes e o clima era algo absurdo de se tentar entender. Havia surtos de contaminação biótica e nuclear por todas as zonas de pobreza do mundo inteiro. Havia também muitas mutilações em crianças recém-nascidas causadas pela contaminação de lixos nucleares. Eu nasci com defeitos congênitos – poucos eram os que nasciam perfeitos – tinha cicatriz imensa no olho esquerdo e também não falava. Minha forma de comunicação era por meio de bilhetinhos que eu escrevia num bloquinho de papel. Estava sempre com esse bloquinho.
Morava num retangular da parte sul da Zona-Europa, na parte que correspondia ao antigo país chamado Itália. Ainda havia muitos resquícios da cultura e língua italianas no retangular inteiro. Minha casa, construída no subsolo de uma antiga rodovia, era muito simples. Nós entrávamos por uma porta de aço maciço, no chão. Meu quarto ficava ao centro de um corredor. E, ali mesmo, na minha cama, aprendia a me comunicar. Todos os dias. Minha mãe me ensinava uma linguagem de sinais, que ela mesma desenvolvera, como também me ensinou a ler e escrever. E quando, no meio de uma aula, Carizza, minha irmã caçula, invade o quarto aos gritos, avisando sobre uma nave de porte 36 que havia cortado o céu a pouco e aterrissara no audarrio abandonado de naves lucvelocita. Saímos todos, bem como todos os moradores do retangular, emergindo do concreto seco; estávamos todos apreensivos. Meus pais exigiram que entrássemos, mas eu não o fiz; tranquei minhas irmãs e voltei à superfície e corri para o audarrio. A grande porta lateral da nave descera à terra. Era algo colossal, nunca havia visto de perto uma nave de porte 36.
Os milhares de tripulantes desceram aos poucos. Havia tanta gente que nem acreditei que mesmo uma nave tão grande suportasse toda aquela quantidade. A porta lateral que servia de pista de descida era bem larga. As pessoas, de ambos os lados, estavam apreensivas, e até demorou alguns instantes para tentarem algum contato. A comunicação era um tanto falha, pois as línguas eram bastante divergentes. Mas, bastou um pouco de observação de minha mãe e eles falarem que vieram do Brasil, para mamãe se propor a falar brasileiro. Minha avó tinha vindo do Brasil, servir na guerra dos três sonavios. Mamãe lembrava-se da estrutura da língua, e ela foi a intermediadora. Aos poucos, tudo foi explicado e o momento de tensão, atenuando-se. Em meio à conversa, a líder deles pediu para que o resto descesse da nave, que ela partiria para levar as outras parcelas das pessoas às outras zonas. Dentre àquelas pessoas esquisitas que andavam a passos lentos, avistei um grupo diferente. E naquele grupo havia um garoto que chorava. Nunca vi alguém mais lindo na minha vida, a não ser nos antigos merchans de centenas de anos atrás, que eu via nas pastas de conservação que mamãe me mostrava, do tempo em que a humanidade ainda não era brutalmente açoitada pelas consequências do capitalismo. Mas, eu estava encantado por aquele garoto de beleza singular, que demorou a levantar a cabeça do ombro de uma senhora, e tinha a aparência um tanto abatida. Minha atenção só se esvaiu dele ao ouvir a noticia da catástrofe: A América do Sul tinha sido engolida pelo mar. Fiquei perplexo, se bem que não era algo novo, pois com a parte oeste da África tinha acontecido o mesmo, assim como as Filipinas.
Os líderes dos três retangulares mais próximos se reuniram e decidiram o que fazer. A nave alçou voo e partiu para distribuir os outros tantos milhares de tripulantes para a Zona-Europa. Após muitas discussões, foi decidido que as obras para novas moradias começariam no máximo em três dias, o planejamento tinha de ser muito meticuloso pois espaço era algo complicado de se administrar naqueles tempos. E, enquanto as casas não ficavam prontas, os flagelados se tornariam agregados de muitas das famílias do retangular. À minha casa, foram apenas três, uma família. Minha casa era uma das menores do retangular X-Itali.
Logo após a tomada de decisões, todos foram hospedar as famílias desabrigadas. A que ficou conosco não demorou mais que dois dias, pois uma parte das famílias foi para uma antiga escola abandonada que serviria de abrigo. E, então, tive a privacidade do meu quarto de volta, pude pensar em tudo o que gostava de pensar. Não sei o que estava acontecendo comigo, pra falar a verdade. A imagem daquele garoto não me saía da cabeça, e enquanto pensava nele, o sono se afastava mais e mais. Varei uma noite com a imagem dele em toda parte do quarto, só cheguei a dormir pouco antes do amanhecer.
Androzza veio me perturbar o sono. Desde a chegada daquelas pessoas, ela não vinha me visitar. Era uma amiga querida, uma das poucas que não havia morrido ainda, andávamos sempre juntos. Ao chegar à minha casa, pouco depois do desjejum, trouxera-me notícias. Notícias de um garoto cujos olhos pareciam a imensidão do mar. Um garoto belo, dizia ela, que havia sido obrigado pelos próprios pais a deixá-los para trás e vir para a Zona-Europa. Dizia que ele estava triste, que chorava pela falta dos pais. Questionou-me se eu não queria ir conhecê-lo, e num impulso, peguei o bloquinho e escrevi “NÃO”. Um “não” impulsivo e categórico. Aquele garoto me deixava nervoso, mas não revelei a Androzza. Então ela voltou para casa, tinha que dar atenção aos hóspedes. “Principalmente a um deles, né?!”, pensei.
As semanas se arrastaram e as casas já estavam quase prontas. Androzza vivia com o garoto para cima e para baixo, mal tinha tempo para nós dois. E eu já o detestava. Muitas foram as vezes em que ela, em sua companhia, vinha me chamar, mas eu sempre recusava. Ele, parado há alguns metros, observava. Numa dessas, verifiquei a cor de seus olhos, e até mesmo de longe, dava para perceber as águas-marinhas tão ávidas. Mas a minha atitude era sempre a mesma, ficar longe. Vez ou outra, seguia-os, numa surdina, para observá-los. Aquele moleque lindo, cujos olhos eram duas águas-marinhas, tomara minha amiga de mim. Ele não merecia perdão.
Eu e Androzza passamos a ficar mais distantes. Nunca aceitava seus convites e, um belo dia, ela parou de me convidar. Estava cansada. Foi então que meu afastamento de Androzza me fez cair em culpa após saber de sua morte. Sua família morrera de contaminação biótica, por ingestão de comida contaminada. O garoto de olhos azuis foi salvo, ele ainda não tinha descido para comer com a família, e assim que o fez, deu-se conta daquelas pessoas que o acolhera agonizando à mesa de refeições. Nada pudera fazer, a não ser correr para pedir uma ajuda inútil, pois essas organelas eram geneticamente modificadas e avassaladoras. Havia a suspeita de que essas contaminações fossem elaboradas pela elite, temendo uma revolta popular global. Mas, quem haveria de fazer alguma coisa? Justiça não existia há muito.
Os corpos da família de Androzza foram levados para a fornalha fúnebre. O garoto estava terrivelmente cabisbaixo. A tristeza assolava-lhe o coração mais uma vez.  Eu não fui à cremação dos corpos e nem ele. Ao invés disso, fui para o rio que cortava o retangular. Fiquei atrelado à grade de proteção, observando a nuvem cinza que cobria o céu, pensando em como a humanidade sofria naqueles tempos. As lágrimas vinham conforme as lembranças de Androzza empurravam meus pensamentos de fuga e se punham a me torturar.
- Ela gosta muito de você. – disse alguém  se aproximando, enquanto estava parado frente à grade da encosta do rio. O clima era frio àquela tarde. Virei-me e me surpreendi em constatar quem era.
Ele estava lá, estático, à minha frente. Seus cabelos, tão lisos, dançavam com o vento enfraquecido pelas intempéries do clima. A pele alva emitia uma serenidade e uma calma enormes. E os olhos... Malditos olhos! Sempre tão malditos! Estava entregue e hipnotizado por aquelas águas marinhas invadindo minha cabeça sem pedir licença. E, inconscientemente, eu tentava achar palavras em algum lugar...
- Você fala diferente... – dei uma risadinha abafada, mas logo percebi a idiotice que escrevi.
Como todos os outros, ficou curioso pelo jeito de me comunicar e pela minha cicatriz. Percebi pela forma de me encarar. Mas, minhas barreiras contra aquele inimigo que me levou a amizade com Androzza foi esmagada como um inseto fedorento. Não pude resistir ao seu senso de humor e sua companhia agradável.  Conversamos a tarde toda –  eu com meu bloquinho e ele com seu sotaque estranho –, o começo da noite, e até mais, pois pedi para minha mãe deixá-lo ficar por lá por algum tempo. Ele dormiria no meu quarto, num colchão de lençóis velhos. E assim foi, ele não ficou apenas aquela noite, mas tantas e tantas outras. Minha família o adorara e acabamos por acolhê-lo. Sou o único homem dentre quatro filhos, e sentia falta de um irmão para conversar coisas de menino. Amizade era algo raro naqueles dias. Ele passou a ser meu alicerce para me sustentar quanto à ausência e à culpa que a imagem de Androzza me causava. Assim como eu fui o dele, consolando-o nas suas noites de profunda tristeza, quando a saudade de sua família biológica e a adotiva apertava-lhe o peito e exprimia-lhe lágrimas dos olhos.
Passamos a ser inteiramente amigos. Eu tinha apenas a sua companhia e ele tinha apenas a minha. Andávamos pelos arredores do retangular, como dois desbravadores, e como tais, descobrimos muitas coisas, como um esgoto abandonado que servia como casa de morcegos. Era num ponto alto e dava para ver a imensidão de quando o rio se fundia com o mar. Estávamos sempre inventando brincadeiras imbecis que nos recheavam as manhãs e as tardes. Eram momentos tão únicos e singulares, cada qual com suas emoções. Talvez, para ele, não significasse muito, mas para mim, eram tudo. Ele me bastava para me sentir menos só, menos deslocado e mais feliz. Eu o admirava em todos os aspectos. Nunca conheci alguém mais doce. Não havia uma noite sequer que eu não agradecesse a Deus por tê-lo enviado a mim.
Sua beleza me desconcertava e fazia-me sentir estranho em certas ocasiões, como quando ele saía do banho, ou trocava o macacão na minha frente. Talvez ele nem desconfiasse, julgo eu. Havia vezes que eu instituía certas brincadeiras ridículas, como quem encara quem por mais tempo, apenas para poder admirar-lhe os olhos com mais liberdade. E eu sempre ganhava, óbvio, pois não me cansava. Algum impulso estranho me fazia propor essas coisas malucas. Impulso esse que vinha daqueles azuis tão instigantes. Apesar de perceber sua inocência à distância, ele ainda exercia um certo mistério sobre mim. Quem sabe não fosse o corpo? Talvez a pele, o cheiro? O amor natural nunca morrera, mesmo com todo o sofrimento da humanidade diante de tantos séculos.
Porém, o que eu não sabia era que tinha mais alguém de olho na beleza daquele rapaz de pele alva e barba surgindo, tímida. Aqueles olhos, cujo paraíso estava escrito neles, chamaram a atenção de um top-ameba. O cara fedia a riqueza e poder. Era um designer de realidade holográfica, pelo que soube.
Estávamos voltando para casa, por uma antiga estrada de concreto, quando uma navterrea estacionou bem à nossa frente, deixando-nos assustados. A viseira fumê da cabine levantou-se e o cara desceu, com seu cheiro penetrante – um bom perfume, certamente – e fez uma proposta, que, indiscutivelmente, se estendeu apenas ao meu amigo. Ao ver que seria apenas a ele, recusou, mas eu fui insistente e escrevi no bloquinho que ele aceitaria, mostrando-o para o ameba. O homem ranzinza não gostou muito da minha ousadia em dirigir-lhe a palavra, mas eu estava ajudando-o a levar meu grande amigo para a Nova Terra. A proposta era para que fosse imagem primária dos novos projetos holográficos para entretenimento. Ele faria parte da elite, ele poderia ser feliz na terra-paraíso dos pentalionários. Ele viveria no Olimpo e seria um deus. Deus esse, que eu reverenciaria até o fim dos meus dias.
Convencê-lo foi bem difícil, o caminho inteiro fui mencionando tudo o que ele poderia ser, e iria se livrar do imenso sacrifício que era viver na Terra, e talvez, algum dia, voltar para procurar seus pais.
- E visitar os amigos, se sentir saudade. – Escrevi, tímido.
 Ao chegar e dar a noticia a mamãe e às minhas irmãs, todas ficaram muito felizes por ele. Mamãe fez até um bolo para comemorarmos! Mas eu sabia que ele estava triste. Desde a partida dolorida de sua terra-natal, até aqueles dias, sem notícia dos pais, nós fomos os que o acolheram, fora a família de Androzza, que jazia em paz.
O destino de sua partida era um laser que me castigava. À noite, ao banho, chorei como um condenado. Sentiria falta dele, muita falta. Já estava chorando a saudade daqueles olhos que me deram conforto por todo esse tempo. Deixei-o dormir e fui para o quartinho de ferramentas, tentar consertar um aparelho meio antigo que registrava imagens em 2d, precisava guardar alguma recordação.
 A noite engatinhou cansada para mim. Mamãe me acordou às 9 da matina, caído na mesa e em cima do aparelho. Graças a Deus eu tinha consertado. Iria tirar fotos de todos da família para que ele pudesse levar, mas tinha por ambição uma imagem dos seus olhos. Passamos a manhã nos divertindo com o tal aparelho antigo, mas ele estava bastante cabisbaixo. Notando isso, mamãe o falava das maravilhas que ouvira falar da Nova Terra, e seus sorrisos de resposta eram sem-graça.
Tiramos tantas fotos, mas sempre distantes. Nenhuma captava com exatidão o que eu queria ficar com o máximo de lembrança que pudesse. O próximo trabalho foi grafar as fotos, e foi um sacrifício achar um papel adequado e com qualidade suficiente para que durassem muito. Levou algum tempo para eu imprimir as fotografias para ele levar. Ele deve ter ficado feliz, pois seu semblante triste deu lugar a uma pitadinha de luz, num sorriso tímido. Mais tarde, ele arrumava a bolsa com certa morosidade, típico de alguém que faz a contragosto. Entrei no quarto e dei-lhe um sorriso, tentando passar conforto e satisfação. Sentei na cama e observei-o, sem nada dizer. Estava encabulado. Ainda não tinha tirado a foto que tanto desejara. Nunca tinha sentido um nervosismo tão grande para escrever alguma coisa. A mão tremia e as palavras voavam como pássaros assustados. Foi com muita falta de jeito que o disse – por alto – sobre a minha admiração por seus olhos. E pela primeira vez, ele me abraçou. Meu corpo parou naquele momento e demorou em responder-lhe o ato que sonhei durante tanto tempo, mesmo que inconscientemente. Enxugando os olhos, ele sorriu e se posicionou para que tirasse a imagem em 2d. Tive dificuldade, pois ainda tremia muito.
Sua viagem estava marcada para a noite. Ele seguiria com o top-ameba para o norte da Zona-Europa e de lá, embarcaria num avioespacial direto para a Nova Terra. Estávamos jantando e eu percebia a movimentação aérea pelas janelas do teto e pelos barulhos dos sonoros motores de alta geração. As luzes das naves já podiam ser vistas da janela da minha porta. Ao terminarmos, fomos todos o levar: eu, meu pai, minha mãe e minhas irmãs. Andamos muito até chegar ao audarrio do outro retangular. Lá havia uma pista apropriada para naves de tecnologia de ponta. Ao chegar, todo o local estava protegido por um campo eletromagnético.  O deixamos na ponta de entrada mesmo, já que não poderíamos entrar na zona franca, éramos apenas nascido-imundos. Eu segui o mais longe que pude com ele, e antes de dar adeus, ele me abraçou, novamente, engolindo-me o fôlego:
- Vem comigo. – sussurrou ao pé do meu ouvido.
Eu tremi e não consegui dar-lhe adeus. Ele ultrapassou a faixa mesclada e caminhou sem olhar para trás. A sensação do abraço sumia gradativamente, enquanto eu observava seus passos pesados. Virei-me, estático, e segui com minha família para a minha casa. Neguei todos os abraços de conforto que minha mãe quis me dar, queria ficar sozinho. Pedi para voltar e vê-lo partir para o céu. Ela tentou-me explicar que não daria para ver, mas ao perceber que eram meus olhos marejados que faziam tal pedido, consentiu. Alertou-me para ter cuidado, e seguiu para casa com papai e minhas irmãs. Cheguei o mais perto que a segurança permitia. Muitos motores terrestres seguiam para dentro e o círculo do campo de força ainda não havia se fechado, ele ainda estava ali dentro.
“Vem comigo” zunia nos meus ouvidos. Viveria, então, sem ele. Disso eu tinha quase certeza. Sim, porque o impulso me clamava para fazer algo. O mesmo impulso que me dava a certeza de que aquela amizade e a nossa convivência eram muito importantes para mim. O círculo começou a se fechar, para então, me separar dele definitivamente. Restava apenas uma pequena fresta, que ainda me cabia... Pulei. Pulei e cheguei a queimar o braço e meu sapato esquerdo. Segui à surdina, descalço, já que meus calçados não prestavam mais, a borracha estava derretida. Um pouco mais e ficaria manco.
Tentei correr sem ser visto e obtive sucesso. A essa altura, os radares de terreno já deveriam ter sido desligados, já que o campo de força estava totalmente fechado. Um alarme soou alto e assustador. O avistei indo, sozinho, colocar sua pequena bolsa no expresso que levaria-a para a nave. Toquei-lhe o ombro ao alcançá-lo e num instinto de pura felicidade, nos abraçamos. Algumas perguntas triviais, de praxe, numa situação como essa, e logo planejamos como eu iria. Iria junto à bagagem, escondí-me numa caixa que estava destrancada no expresso e lá fui eu.
Foi uma atitude impensada. Conforto-me, porém, em ter ciência de que foi pelo que sentia. Não havia tanto futuro naquela Terra, já abandonada pelos “donos do mundo”. A única coisa que me preenchia os dias era a amizade que o destino me presenteou. Desde muitos séculos atrás que a tristeza e a desesperança guiam a vida dos homens dessa era, mas para mim, havia um motivo por qual lutar e por isso eu estava espremido, no meio daquelas bagagens, iludido com a irreal possibilidade de viver na Nova Terra. Entretanto, fui pego na nave, pelo laser de descrição total. A ação foi rápida, os seguranças da tripulação eram bastante hábeis. E arrastado, me levaram até os superiores. Nunca vi um corredor mais longo. Levado á cabine secundária, fui tratado como um saco de lixo biótico; eles não tiveram a mínima piedade. Fui humilhado, abusado, xingado de tantos nomes que nem consigo contar. Meu amigo apercebera-se da gritaria e abriu a viseira da porta. Ele presenciou tudo. Pude ver o desespero com que esbofeteava a janelinha de acrílico. Tentei sorrir, mesmo com o rosto machucado, para passar-lhe uma confiança que eu não tinha. Aliás, poderia ter. No fundo, tinha esperança de que nos colocaríamos juntos, depois de tudo. Vejo como a ilusão é algo amenizador em momentos de sofrimento como esse. Mas não foi assim. No fundo mesmo, eu estava enganado.
Por mais que tivéssemos protestado, não houve conversa. Os seguranças me puseram um para-quedas, abriram uma porta pequena e me arrastaram até lá. Ambos estáticos, eu e ele. Eu, sendo arremessado para fora da nave em pleno vôo, a não sei quantos mil pés. Ele, tão impotente contra a bestialidade do sistema, que descartava da maneira mais vã qualquer coisa que não lhe servia. Ainda pude ver seus olhos, e ele estava chorando. Isso me doeu demais. A porta se fechou e ainda percebi uma risada maldosa no rosto de um dos carrascos, depois entendi o porquê.
Estávamos definitivamente separados. Ele iria para longe, e eu voltaria para casa, caso saísse vivo dessa. Tanto esforço para nada, ele estava partindo e eu nunca mais o veria. Ao pensar nisso, demorei a acionar as asas do para-quedas. Acionei. Acionei novamente. Acionei mais uma vez e continuei acionando, desesperado. O para-quedas estava quebrado e eu ganhava cada vez mais velocidade. Estava mergulhando para uma queda fatal, mas, incrivelmente, a calma chegou mansa, e eu respirei fundo a conformação. Pus-me a olhar ao redor. Acima das nuvens existia um outro plano, que era palco das histórias fantásticas que minha mãe me contava quando criança. Havia o sol à minha direita, irradiando vida, enquanto à minha extrema esquerda, um disco brilhante me brindava com uma luz prata que lembrei se chamar lua, e ao infinito, à minha frente, milhares de pontos de luz.
Mas havia algo mais interessante que tudo aquilo. A fotografia que havia tirado pouco antes da primeira despedida estava no meu bolso. Tirei e olhei. E fixado naquele pedaço de papel, mergulhei abaixo das nuvens com a visão da minha perdição. Naquele momento, aqueles olhos azuis se tornaram duas pedras preciosíssimas, cujo valor eu nunca poderia pagar.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Deixe-me contar uma história:

Alimentando cisnes



Havia um velho. Um velho ranzinza. Tinha lá seus sessenta e lá vai o trem. Perdera uma das pernas ao servir o exército na ditadura, e desposara uma moça logo depois – pressão dos pais – . Mas ele era apaixonado por um cadáver. João Pedro morrera anos antes, na flôr de uma juventude imberbe. Dezessete anos. Ambos eram amantes. Ambos se escondiam da sociedade infiel que dilacerava os mesmos meninos que, horas antes de se amarem, eles mesmos se punham a apontar os dedinhos. Seria a culpa que assolava-lhes os corações após atos tão abomináveis de amor? O certo é que, apesar de toda uma agressividade em tom de desespero até a última gota de honra que impregnava suas noites gatunas de prazer, ambos eram camaradas. Camaradas que se gostavam. Até demais.
João Pedro morrera aos dezessete, perto dos dezoito. Manuzeara de forma principiante a arma que tirara do criado-mudo do pai – tinha visto há uns dias o pai esconder embaixo de uma pilha de papéis – na surdina do sono da tarde que era habitual do seu velho pai. Dali para o estrondo que tirara sua vida, foram poucos minutos. Diante do cadáver de seu amado, Carlos não chorou. Segurou firme, como um homem de verdade o faria. Porém, ele deveria tê-lo feito, pois a imagem do seu amante infame não saíra de sua cabeça durante um bom tempo; ela parecia suplicar alguma coisa. Coisa essa que ele nunca deu ouvidos.
Logo depois de sua esposa morrer – ainda um tanto jovem e solitária, diga-se de passagem – ele passou a alimentar cisnes. Todos os dias caminhava alguns kilometros, desde sua casa até o parque onde, ao centro, se estendia um lago. Ao pôr-do-sol, a paisagem era linda, parecia até uma pintura, pensava. Tirava o saquinho de milho de um dos bolsos e punha-se a jogá-los aos punhados perto da água. O velho adorava ver os cisnes se aproximarem, famintos. Esse era o ritual diário de um velho ranzinza e manco que vivia atormentado por Tisífone.
Certo fim de tarde, não se deu conta do passar do tempo. Após o saquinho de milho esvaziar, o velho pegou no sono. Acordou tarde e o parque estava envolto da treva da noite. Não havia luar naquela noite fria. Mancando, devido à guerra que lhe carregara a perna esquerda, fora lenta e pacientemente tomando o caminho de casa. Mas o parque era grande. E à noite, perigoso. Não percebeu, por tanto, que um grupo se aproximara. Cercaram-no e pediram para esvaziar os bolsos. Mas, ao mirar bem para os rostos dos rapazes, num esforço para captar a luz que se esvaia de algum poste há poucos metros, seu olhar se estancou num certo moreno. Moreno esse cujos traços ele conhecia bem.
A gangue não era lá tão paciente, e o silêncio do velho, petrificado com a imagem de um dos rapazes à sua frente, não foi de grande ajuda. O espancaram. O espancaram como se não ouvesse vida nas suas carnes sofridas pelo tempo. Tornou-se um boneco nas mãos daqueles jovens brutos e crueis. Passando de mão em mão, toda vez que chegava às do tal moreno, ele implorava-lhe desculpas. Implorava-lhe que o perdoasse. Implorava-lhe que entendesse a sua honra de homem. E chegou até a implorar que o matasse. João Pedro voltara. Voltara para cobrar-lhe a dívida que tinha para com ele. Ele mentiu. E não só mentiu, também matou o grande amor de sua vida. Matou-o de forma traiçoeira, pelas costas.
Os banderneiros deixaram o velho agonizando num lugar às margens do lago. Enquanto o rapaz moreno, cujo semblante estava escrito as lembranças de João Pedro, caminhava junto aos outros, Joaquim dava, então, seus últimos suspiros. Os últimos instantes em que sua alma estava limpa, e sua dívida, paga. Seu amor por aquele rapaz atlético nunca morrera. Nas noites em que amava a esposa, era nele que Joaquim pensava. À morte da mulher que ele sugou a vida às migalhas, ele não chorou. Não chorou pela falta de amor que tinha para com ela, diferentemente do outro, que amara insanamente. Mas, naquele instante em que estava estendido na grama úmida dos arredores de um lago fedorento, o amor brotara da natureza selgavem que ali permeava... Os cisnes velaram sua morte lenta. Aos segundos que se arrastaram como uma presa abatida gritando pela vida, Joaquim chorara o que não havia chorado. Chorara pelo peso de um assassinato. Pela felididade de uma familia inteira que ele quebrou como um vidro inútil. Pela vida que jogou num esgoto sem fundo. Pelas lembranças de um amor. Pela covardia que o fez emburacar no primeiro boeiro que vira.
Três respirações antes de se entregar ao sono da morte, Joaquim deu-se conta de que João Pedro nunca morreu totalmente. Nunca conseguiria matá-lo para sempre.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Hoje, apenas rezo para que eu não desvaneça.