Havia tantas flores dentro de mim, que quis, um dia, apenas
por bom grado, dividi-las. Eram medicinais e preveniam muitas chagas. Mas aqui
fora descobri que eram espinhosas o suficiente para ferir. Aprendi a
cultivá-las no escuro das minhas vielas.
domingo, 23 de dezembro de 2012
sábado, 22 de dezembro de 2012
quarta-feira, 12 de dezembro de 2012
quarta-feira, 5 de dezembro de 2012
Gosto.
Meu doce é de gosto marcado
Parece chiclete mascado
Mas o tempo ajuda a viciar
A leveza do meu sabor
E a fúria do meu gostar.
Meu tempo, teu tempo.
Tenho tempo pra vaidade, não.
Nem pra tanto desperdício.
Mas tenho pro amor. Tu tens?
Tenho tempo pra tantos sorrisos quanto couber
Tenho tempo pra olharmos o céu, até
Tão juntos quanto puder
Tenho tempo pra molhar tua boca
Pra pegar tua mão
Pra te fazer uma declaração
Tenho tempo pra te mostrar meus rabiscos
Tenho tempo pra te pintar de quantas cores quiser
Tenho tempo pra te fazer suar
Tenho tempo pra te envenenar
Tenho tempo pra escrever, eu e tu
Tenho tempo pra juntar, eu e tu
Tenho tempo pra construirmos um nós.
Mas eu quero teu tempo pra tudo isso fazer
Por isso tem que me responder
Desse tempo não te deixo escapar
Quer me namorar?
segunda-feira, 3 de dezembro de 2012
Castin, que matou Lusto.
Um planeta distante, muito distante. Em sua órbita no
cosmos, em algum ponto de um espaço-tempo diferente, a vida brotava de seus
compostos, em diversas vertentes, evoluindo conforme as leis da consciência
universal. Naquele planeta havia uma espécie de pensantes, muito parecidos com
os humanos. Eram espíritos e eram animais, engatinhando na eterna escala do
aperfeiçoamento. Estando em qualquer parte daquele mundo, os costumes eram
estritamente solitários e dominadores. Acostumaram-se a não andar de pés nus,
no chão. Acostumaram-se a dominar e usar outros animais (semelhantes aos
cavalos) para se deslocarem. Ainda estavam no estágio inicial de inteligência e
a cultura era demasiadamente primitiva: Cada indivíduo possuía manadas de
vários e vários animais. Os corcéis usados eram os que lideravam fisicamente a
tropa, num dado instante, a qualquer momento; ou seja, as trocas de sela eram
constantes durante o dia. A habilidade de mudança de sela foi adquirida
conforme as gerações.
Aquela espécie de humanóides nunca tocava o chão, seus
acampamentos eram raros e quase sempre, feitos acima do solo. Costumavam dormir
no alto dos galhos entrevados das árvores grossas e secas que brotavam daquele
chão morto. O dia começava assim que os sóis apontavam ao horizonte.
Castin tocava sua manada perante o deserto, no estreito
equatorial e seco. Com água escassa e, consequentemente, falta de alimento, ele
galopava com seus mais de vinte animais, cortando o deserto de rocha de um
ponto a outro. Além de bons corcéis, ele também tinha o dom de saber escolher
cada bicho.
Castin sempre regeu seus corcéis com mãos de fogo, fazia
questão de escancarar o seu autocontrole e dominação aos mais novinhos. Mas
desde Lusto, seu orgulho estava jogado à lama, literalmente. Lusto apareceu de
repente, numa época de chuva, em algum lugar do oeste verdoso do deserto. Era
filhote e Castin não soube como ele estava sozinho naquele lugar inabitado.
Pegou-o para si e, aos poucos, tentou mostrar como tudo seria dali para frente.
Lusto, então, cresceu, e adquiriu uma força um tanto incomum para os corcéis.
Era grande, com patas grossas e imponentes, longos pelos da calda e do pescoço,
jogavam-se ao vento com a velocidade que aquele corcel adquiria, quando queria.
Castin ficava observando-o nos momentos de descanso que a sombra da tarde lhe
dava. Em cima de um galho grosso o suficiente para aguentá-lo, os olhos de
Castin fitavam a rapidez daquele animal quando não estava sob seu controle.
Apesar de querer usufruir daquela força que Lusto tinha às patas, Castin achou
por bem esperar a hora certa.
Era noite e nenhum amontoado de árvores secas à vista. A
manada estava desgastada pelo dia árduo e o sono já balançava os olhos de
Castin. Apesar de nunca ter insistido para Lusto avançar ao primeiro lugar para
poder montá-lo, Castin sempre quis experimentá-lo. Uma das luas brindava o céu
com uma luz verde e forte, transfigurando o chão num espelho natural de luz.
Castin sorria ao vento, mesmo estando tão exausto. Tanto quanto de repente,
Lusto toma o domínio da manada e Castin se vê no momento de mudar de sela.
Surpreso, montou Lusto e tentou tomar as rédeas. Mas Lusto era prepotente e
mostrou a Castin que do seu modo era muito melhor. Ganhou uma velocidade
incrível , deixando seu montador bestificado com a sensação de voo que tivera.
Em êxtase, Castin se deixou seduzir pelo vento, pela luz da lua varrendo o chão
de pedra e pelo frio que sussurrava em sua pele. Estava tão hipnotizado que nem
se deu conta de que Lusto atravessara uma estreita faixa verde que dava num
imenso oásis no meio do deserto. Castin sabia que não era inteligente entrar
num estreito verde, e ainda mais, quando a luz não enchia os olhos. O transe
passou. Após o clímax daquela corrida tão intensa, corcel e montador estavam
atolados num pântano.
O esforço que Castin tivera para tirar o bicho e a si mesmo
daquela lama toda, foi o mesmo que tivera para esbofetear a cara cínica com que
Lusto lhe fitava. E aquilo não parou ali: Lusto continuou mais e mais rebelde.
Eram raras as vezes que ele tomava o controle da manada, mas quando ocorria,
Castin se deixava dominar pelo instinto selvagem e primitivo do corcel.
Contemplava o prazer puro e físico de um momento em que, logo após, viria
alguma desgraça. Espinhos, penhascos, um
bando de lobos grandes e tantas outras enrascadas o infeliz se metia por sua
fraqueza pelo prazer que a liberdade de Lusto lhe dava.
Os ciclos dos sóis foram se sucedendo. Castin estava
amadurecendo e percebia que aquele corcel só lhe dava aperreios. As situações
de perigo vieram aos montes depois que o tempo passou. Lusto, ainda mais forte
e mais hábil, já não deixava a preguiça dominar sua vontade de estar à frente
da manada para poder ir aonde bem entendesse. Isso acabaria por destruir o
pobre montador e ele se dava conta disso. Passou noites inteiras pesando os
prós e os contras de o corcel continuar em sua manada. O prazer da liberdade
que Lusto soprava-lhe ao rosto era imediatamente abafado pelo perigo
conseguinte.
Os corcéis só podiam se libertar dos montadores de uma única
maneira conhecida naquele tempo: A morte. Castin era frio e rígido, mas tinha
sentimentos. Além do vício da liberdade ser um forte empecilho para se livrar
de Lusto, ainda havia a pena que abrandava-lhe o coração. Enquanto se dedicava
a traçar o destino do corcel, seus olhos vislumbravam a felicidade de estar
livre daquele animal, correndo até mesmo em círculos, ao luar. A compaixão seria
mais um desafio dos dias sequentes.
Lusto parecia estar sentindo algo diferente, depois daquela
noite acordada que Castin passara. Castin, tentando tomar coragem nos dias
seguintes para, então, se livrar daquele problema, sentia o animal um tanto
abatido. As forças para cravar-lhe o punhal na garganta eram levadas a cada dia
vivido. Mas a força da natureza prevalece diante de qualquer tempo, seja lá
qual for.
Estava anoitecendo e Castin travava a mesma luta diária com
sua manada. Já fazia tempo que Lusto ficava com os últimos do bando e ele já se
acostumara com a nova personalidade passiva do corcel. Entretanto, Lusto
começou a avançar dentre os outros corcéis e Castin, mesmo estranhando,
montou-o. A maneira que o corcel levantou agilidade, o cavaleiro ainda não
havia experimentado. Lusto conseguiu escalar até os montantes de rochas que
encontrava pelo caminho e deixou muitos de sua tropa para trás. Castin, óbvio,
estava entretido demais para se dar conta. Os sóis ainda estavam à vista e, se
antes o frio lhe soprava, agora eram as brisas mornas do fim de tarde. A luz
dourada estendida à tapete no chão diante das patas de Lusto, as nuvens
pareciam saudá-lo e a poeira que aquele bicho ágil deixava a cada atrito dos
cascos com o chão extasiavam por inteiro o corpo de Castin. Entretanto, a
liberdade ao extremo do limite nunca lhe custou tão caro.
Era a estação seca,
em que as bestas-feras estavam ainda mais perigosas. Apesar de hábil e
experiente, Castin não conseguiu perceber que Lusto corria para a morte, ao se
deparar com um desfiladeiro de ossos. Tão tarde, mas antes que nunca, Castin
caiu em si, aos poucos, e viu a estupidez de, mais uma vez, deixar-se levar.
Lusto, além de perder boa parte da manada, o levou para os dentes da morte, no
covil de bestas-feras. Também não tão tarde, elas farejaram intrusos e logo
deram as fuças. Eram três naquele lugar. Mas o suficiente para acabar com o
resto do bando que restara.
Três monstros enormes e Castin, Lusto e dois corcéis
restantes estavam encurralados. Uma parede de rocha de um penhasco imenso se
punha à frente deles, e as bestas, logo atrás, andavam lentas e majestosas,
cientes de que estavam com o banquete pronto. Castin ainda montava Lusto e, sob
desespero, pensava em como sairia com vida dali. De imediato, pensou, o
primeiro a ser sacrificado seria Lusto. A muito custo, conseguiu trocar de
sela, tentando entregar Lusto para as bestas. A primeira – provavelmente o
macho, observou Castin – mirava o montador com certa avidez. Ela o queria; não
à toa, golpeou um dos corcéis com sua pata imensa e deixou-o para as outras
duas, que de tão famintas, não viram Lusto correr.
A vala estreita de pedra deixava Castin cada vez mais sem
opção. Não havia para que lado escapar e à sua frente, a besta parecia sorrir
para ele. Dentes tão enormes... Se eram afiados, Castin não fazia questão de
saber. O corcel dava seus passos para trás, até que a parede de rocha não
permitiu mais. Era esse o fim de Castin. Seus olhos e os da besta estavam
presos, como numa dança mortal, nenhum se atrevia a deixar escapar o olhar do
outro. Castin sabia que não adiantaria sacrificar o corcel, pois a fera o
queria, parecia até uma questão de honra. A passos lentos, ela se aproximava.
Castin preparava o punhal; lentamente escorregava a mão esquerda até a cintura
para pegar a lâmina que seria sua única possibilidade. Talvez ironia, ou talvez
o destino quisesse reafirmar sua morte, alertando-o que não teria saída: as
duas bestas terminaram com o corcel a elas jogado e vieram acompanhar o resto
do banquete. Uma delas avançou a frente de Castin e levantou a pata. Foi
violentamente repreendida pela primeira, a que almejava o montador e a briga
começou. Dois titãs degladiando e a oportunidade de se ver livre dali. O corcel
saltou alto sobre o embate das bestas e pôs-se a correr. Não tão longe, pois
logo foi abatido pela terceira. Castin foi arremessado ao chão, enquanto a
besta devorava seu último corcel. Como ele sairia dali? Nem precisou pensar
muito.
Lusto surgiu de uma rocha alta e saltou bem à frente de
Castin. Com certa dificuldade, levantou-se do chão, apoiando-se em Lusto e
montou-o. Lusto foi hábil e conseguiu sair daquele covil. Galopava tão rápido
que a paisagem parecia ser engolida pelas suas patas. Já era noite, mas Castin
estava irremediavelmente decidido.
Não mais a habilidade, nem a compaixão ou o dom da montaria.
O que guiava Castin era o ódio. Por causa de Lusto, agora ele perdera tudo. Não
havia mais nenhum corcel e o seu coração rejeitava o único que sobrara, justo
aquele que assolara a desgraça sobre seu montador. Chegou ao ouvido direito do
animal e cochichou, mandando-o correr como nunca havia corrido, pois aquela
seria sua derradeira. Levou, então, a mão direita ao punhal, pendurado na
cintura. Enquanto Lusto corria gastando toda a força das patas, pensando assim fugir
da morte. Castin enterrou o punhal na garganta do corcel e rasgou-a de baixo a
cima, só largando a adaga quando o maxilar robustodo animal o impedira de
prosseguir. Lusto caiu instantaneamente,
assim como seu montador.
Deitado no chão, com
alguns poucos arranhões e Lusto logo mais atrás, agonizando pelo sangramento,
Castin estava satisfeito. O sangue de Lusto aguava a terra morta. As estrelas
contemplaram a morte do cavalo e Castin contemplava o seu fracasso diante de um
único corcel. E, pela primeira vez em muito tempo, colocou-se de pé para, com
os pés nus no chão, fazer o próprio caminho.
Na verdade, tudo é mentira. Castin nunca foi um montador e
nunca teve manada nenhuma. Nem muito menos poderia matar corcel algum, o qual
montava, porque Castin é um centauro.
domingo, 2 de dezembro de 2012
Pessoas
tém um incrível ponto de visão, de nome sexualidade. Interessante como um
sorriso é interpretado como algo pecaminoso e inconveniente. Assim como apenas
um olhar é o suficiente para gerar guerras inteiras – desnecessárias, quero
ressaltar.
Não me interprete mal, nunca! Eu não queimo, não inflamo nas labaredas do desejo, e muito menos sou uma besta. Meus sorrisos são sinceros, e são apenas sorrisos. E deixo a garantia de que meus olhares são apenas de curiosidade, sou um observador nato, com fome e sede.
Ah, e quero grifar que tenho o respeito como um de meus traços essenciais. Não levantaria um dedo em detrimento de alguém, muito menos do que une duas pessoas. Penso ser o amor algo valioso demais para ser violado.
Não me interprete mal, nunca! Eu não queimo, não inflamo nas labaredas do desejo, e muito menos sou uma besta. Meus sorrisos são sinceros, e são apenas sorrisos. E deixo a garantia de que meus olhares são apenas de curiosidade, sou um observador nato, com fome e sede.
Ah, e quero grifar que tenho o respeito como um de meus traços essenciais. Não levantaria um dedo em detrimento de alguém, muito menos do que une duas pessoas. Penso ser o amor algo valioso demais para ser violado.
quarta-feira, 21 de novembro de 2012
terça-feira, 20 de novembro de 2012
quinta-feira, 15 de novembro de 2012
Desbrinde à vida.
Às vezes, eu canso de tentar. Eu caí aqui de para-quedas,
sem bagagem nenhuma e sem ao menos uma recepção de boas-vindas. Ando pelas
trilhas desse mundo numa bolha isolante. Tento arrancar um sorriso meu ao ver
os outros, mas é muito complicado. É frustrante ver que, para eles, é tão
simples, tão fluente. E ainda te vêem como um completo estranho, te
marginalizam por ter uma diferença astral. É quando você se sente a pior das
criaturas. Não há palavras, não há olhares, nada! O que fica é a perda de tempo.
Sim, porque é quando você desperdiça umas boas horas, com a falsa esperança de que
tudo vai mudar daquele instante em diante. E é nessa cena que entra a
realidade, como um trator, sem piedade alguma. Destrói tudo. Olha, devo
confessar que, a essa altura, às vezes nem dói tanto assistir tudo de braços
atados, trabalhando apenas a favor da gravidade. Mas as forças se vão. Se vão e
deixam um vazio enorme como recompensa por não blasfemar contra do destino. Há
dias em que esse baque é leve o suficiente para que eu não chore, mas há outros
que fico estirado ao chão, tentando ao máximo não me mover nenhum pouco, pois
só o fato de respirar dói o bastante. É aí que geralmente olho para o céu e
faço uma pergunta: “O que queres de mim, Senhor?”.
Os dias de me perguntar constantemente o que tudo significa
ainda não se foram. Eu não entendo esse mundo. Parece que o DNA humano não
configurou muito bem com meu espírito esquizofrênico, diferente, distante. Eu
vivo pra desvendar as pessoas, vivo para tentar achar uma brecha nessa bola de
aço maciço em que vegeto, e que me impede de viver em comunhão total. Ela me
proporcionou uma individualidade fora do comum; sinto que por mais que eu
mostre todo um jardim que cultivei durante toda a vida, os outros nunca vão
parar para enxergar. Há muitos instintos guiando essa espécie e acabam por ser
mais individualistas do que eu. Os interesses corrompem as relações, deixando
momentos de felicidade descreditados. O amor é vivido em migalhas, diante de
muita coisa desnecessária. Há um peso por amar. Há o preço que o amor paga em
sangue pelo próprio individualismo e o individualismo alheio. Culpa apenas da
evolução.
Já tentei sobreviver aqui, em minha forma natural. Estive,
durante muito tempo, com o espírito acima da carne. Mas isso despertence à
realidade desse mundo. Há tantas adagas voando em todas as direções que estava
insuportável viver desse jeito, e a escolha foi feita. Caso eu não me
adaptasse, não suportaria muito tempo. Sinto que há algo a fazer aqui, algo
grandioso, pelo menos pra mim. Mergulhei na poça de lama. Sendo melodramático,
mas não menos realista, talvez seja esse meu último suspiro. Seja essa a mão
que eu estendo à vida neste planeta, o último esforço que faço para conseguir
ficar de pé e continuar. A lama, que hoje impregna meu corpo, é a proteção que
lanço à minha alma, já que, aparentemente, não há pele e ossos suficientes para
comportá-la.
Todos esses problemas seriam resolvidos por um mediador. Há
alguém que o destino sugou para longe de mim. Há alguém que deveria estar aqui,
mas não está. Esse alguém seria meu mestre, assim penso. Sinto que não aprendi
a respirar os ares daqui, não aprendi a suportar o peso constante sobre a
cabeça, não aprendi a usar meu corpo. Isso é doloroso demais. Tenho que
aprender tudo na marra, sozinho. É aí que as noites vêm e me mostram que estou
muito só. Há manhãs que vejo o céu, pergunto por respostas; pergunto quando
estarei completo novamente. Não sei se encontrarei o fio que unirá todas as
minhas partes como se deve, quem sabe não está em alguma esquina?
O caminho está mais nublado a cada passo. E eu morro de
medo. Tenho medo por não enxergar, por não ver onde estou pisando e onde meus
passos vão me levar. Tenho medo de me deparar num lugar estranho. Se bem que é
tolice de minha parte, já que eu sou o retrato nítido, em 3x4, da diferença.
Mas o medo é uma das emoções humanas e eu sou humano agora. A lama pode me
deixar mais vulnerável, então, já que não tinha tanto medo dessas estradas
antes. No mais, aos dias, vou arrumando a mala. Deixo-a preparada, embaixo da
cama. Algum dia eu terei que voltar, já que aqui sou estrangeiro. E tenho que
confessar, de coração aberto, que sinto muita saudade – nem sei de que,
exatamente, mas sinto.
quarta-feira, 7 de novembro de 2012
Não gosto de ouvir as vaidades alheias,
Meus ouvidos estão cansados demais para trabalhos desnecessários;
Muito menos a gabança de uma vida recheada de tantos tesouros terrenos, desprovidos de brilho e de densidade;
Ainda, não suporto futilidade de uma estética fria, superficial e encalhada numa auto-aclamação permanente, na sede de se suprir uma cômica carência de aceitação.
Quero apenas o que for meu por direito. Sim, pois um trabalho tão árduo de procurar diamantes em meio às pedras secas, que se esfarelam ao toque, me dá pleno direito sobre as raras jóias que encontrar pelo caminho. E ai de quem tentar tomá-las de mim! Ai!
Meus ouvidos estão cansados demais para trabalhos desnecessários;
Muito menos a gabança de uma vida recheada de tantos tesouros terrenos, desprovidos de brilho e de densidade;
Ainda, não suporto futilidade de uma estética fria, superficial e encalhada numa auto-aclamação permanente, na sede de se suprir uma cômica carência de aceitação.
Quero apenas o que for meu por direito. Sim, pois um trabalho tão árduo de procurar diamantes em meio às pedras secas, que se esfarelam ao toque, me dá pleno direito sobre as raras jóias que encontrar pelo caminho. E ai de quem tentar tomá-las de mim! Ai!
domingo, 4 de novembro de 2012
De Verão.
Me ensina a brincar contigo, menino
Espera eu me transformar,
Me diz como me despir de mim
E ir pro mar, vagar.
Não sei andar como teus passos, menino
Talvez eu não precise igualar,
Confia teus segredos a mim
Pra gente poder amar.
segunda-feira, 29 de outubro de 2012
Rima Cangaceira
Confesso que meu maior pecado
É ser exagerado
Num polo, apenas o quente
O frio, no oposto
Morno não é coisa de gente
Isso é questão de gosto
Em cores
Só digo branco e preto
Cinza fica para os amadores
Não serve nem pra amuleto
Para o tempo, só duas escolhas
Agora é para já
Ou nunca mais, para decidir
Pois o talvez, de me acovardar não há
Aqui não pode residir
Pra finalizar
Te digo como comigo lidar
Em terra de cangaceiro
Só cabra macho é faceiro
Não pode se tremer
Palavra de homem tem que ter
Aqui, ou se dá
Não importa o que acresce
Ou vai dançar
Só frouxo é que desce.
terça-feira, 23 de outubro de 2012
terça-feira, 25 de setembro de 2012
Passo a não me contentar com as migalhas que o vento insiste
em me trazer. Cansei de juntar pedacinhos ínfimos e desumanos na língua seca de
uma boca escancarada e pateticamente esperançosa.
Se a vida me deixa sem opção de uma comida digna de um homem
feito, que eu definhe de fome, emagreça e morra. Há tempos que a chuva não me
traz vida, e há muito que enxergo em branco e preto.
quinta-feira, 16 de agosto de 2012
Com Você (I'll Be There)
Ei, rapazinho
Morfeu visitou-me hoje, antes de despertar. Deixou-me com a
rosa que havias visto, mas ao pegá-la, furei os dedos. Sabe, não importa.
Falo-te com um sorriso carregado de satisfação.
sábado, 14 de julho de 2012
sexta-feira, 13 de julho de 2012
Crucial.
Houve um tempo que foi crucial. Nele, eu poderia ter aberto
uma estrada larga, de duas vias. Fundamentado toda a minha realidade única, em
mármore e fazê-la independente.
Por isso, evito olhar o espelho hoje em dia. Ele gosta de gritar comigo. Aponta os traços que o tempo me deixou, e deixa a tristeza de saber que à beira-tempo, deixei que as águas fluíssem com tanta força, enquanto eu estava ocupado demais com meus brinquedos.
Eu era apenas uma criança, não tinha forças para abrir caminhos na mata densa e complexa da vida; muito menos, para entender o que seria de mim logo após. Não lembro de tanta coisa; aliás, é o que me dói e me angustia. Apenas luto para levar ar, água e comida aos resquícios de lembranças que o tempo me deixou como migalhas, de uns poucos dias da minha vida em que fui, completamente, feliz.
Por isso, evito olhar o espelho hoje em dia. Ele gosta de gritar comigo. Aponta os traços que o tempo me deixou, e deixa a tristeza de saber que à beira-tempo, deixei que as águas fluíssem com tanta força, enquanto eu estava ocupado demais com meus brinquedos.
Eu era apenas uma criança, não tinha forças para abrir caminhos na mata densa e complexa da vida; muito menos, para entender o que seria de mim logo após. Não lembro de tanta coisa; aliás, é o que me dói e me angustia. Apenas luto para levar ar, água e comida aos resquícios de lembranças que o tempo me deixou como migalhas, de uns poucos dias da minha vida em que fui, completamente, feliz.
sábado, 19 de maio de 2012
segunda-feira, 12 de março de 2012
Tudo o que vai, volta. A diferença entre a vingança e a sabedoria está justamente em saber o que fazer.
Usar de palavras para fazer sangrar pode até ser recompensador, mas melhor do que ver o outro sangrar, é ter a capacidade de apontar os pontos fracos suscetíveis ao erro, suavizá-los ou fortificá-los.
O eufemismo do amor abranda até as feridas.
Usar de palavras para fazer sangrar pode até ser recompensador, mas melhor do que ver o outro sangrar, é ter a capacidade de apontar os pontos fracos suscetíveis ao erro, suavizá-los ou fortificá-los.
O eufemismo do amor abranda até as feridas.
domingo, 26 de fevereiro de 2012
Pedir.
Foi numa andada despretensiosa que encontrei, por acidente, o que tentei descobrir escavando, religiosamente, verdadeiras fortalezas. Estava atrás de uma cortina empoeirada de recordações – aparentemente desconexas – mas que acabaram fazendo sentido. Atrás daquela cortina alta, de camurça vermelha, havia um buraco enorme. Tão, mas tão grande, que me bestifiquei nunca ter notado. Interessante como a cortina estava estrategicamente colocada para disfarçar todo o tamanho. Sempre passei por aquele pedaço de pano esguio, pendurando dentre os quadros de infância; perguntava-me o porquê daquilo todas as vezes que a avistava, mas nunca tive coragem o suficiente para levantá-la. Bem, hoje ela estava aberta, pelo que me pareceu. Não ousei olhar aquela imensidão por mais de uns poucos segundos.
Lembro-me de minha mãe falar, que quando eu era criança, pedi para que ela me comprasse algo. Ela nunca pode comprar. Nem que tivesse todo o dinheiro do mundo ela poderia comprar. O mais engraçado é que o que pedi para que ela me comprasse, foi um irmão.
sábado, 25 de fevereiro de 2012
Oração 01.
Há algumas semanas que venho conversando com Deus. Eu disse a Ele que tenho medo. Medo pelo tempo, pelos nuances da vida, medo pelas situações inesperadas. Mas eu lembro que pedi com uma força que guardava há um tempo, pedi para que fizesse desses laços que construí ao longo de um ano, os mais indestrutíveis que já havia visto; que os tornasse indefinidos, pela liberdade das formas que poderíamos ter; implorei que os tornasse progressivos e eternos, para que em qualquer momento da caminhada crua de qualquer um, os outros estivessem a postos. Tive a audácia de pedir que a força que brota de mim em relação a todos eles fosse recíproca. Amor é sacrifício, e a minha amizade é verdadeira. Expus as noites que não dormi tão logo quando deitei, por pensar nos inúmeros perigos que essa amizade corria. Relembrei das vezes em que as partidas foram doloridas e que a saudade era um monstro que rondava como um coiote faminto.
Sabe, eu nunca tinha sido tão sincero ao levantar meus olhos para o céu. De repente, me vi como estava há um ano: sozinho. Hoje, nós estamos no começo onde a estrada começa a dar os sinais da individualidade, e isso me deixou arrasado. Eu estou triste. Estou triste porque nunca tive algo parecido diante das pessoas que entraram e saíram da minha vida. Nunca tive momentos, em que as horas de lazer se tornaram um laboratório, onde eu podia observar as respostas para os ‘porquês’ que sempre estiveram presente na minha cabeça. Eu obtive uma grande quantidade de materiais, devo ressaltar. A minha gratidão estará estampada nos meus olhos e sorriso, quando qualquer um deles precisar gritar por mim, ou quando houver um reencontro... Eu pedi a Deus para estar por perto, sempre que precisarem de mim.
Sei que não devo chorar, que a vida nem sempre é justa o bastante para percebermos. Sei que ao longo dos anos, tudo vai perdendo o encanto, pouco a pouco, e ficando cru, sem gosto algum. E esse foi o motivo para mais um pedido: Para que os agentes duplos da vida nunca tenham poder suficiente para derrubar a fortaleza dessa amizade. E que o tempo, ao invés de um agente que permeia o esquecimento e a distância, se torne um fermentador da saudade da época em que tudo era sorriso. Que a distância se alie com o destino, e tracem rotas em retas perpendiculares, redemoinhos que se cruzem, e caminhos que se unam novamente.
Certa vez me perguntaram: ‘E se não for verdadeira? E se eles não sentirem por você o mesmo que você diz sentir por eles. ’ Bem, eu não me importo. O amor é desapegado, é o que dizem, mas deixando essas filosofias de lado, eu coloco apenas a minha palavra para dizer que vou amá-los de todo o jeito. A distância vai ser dolorosa? Vai. Mas não vai apagar aquelas recordações. As mudanças vão ser dolorosas? Vão. Mas não são tão fortes quanto o que edifiquei. As rejeições vão doer? Demais. Mas só vão me mostrar o quanto fui verdadeiro, e o quanto sou capaz de amar. Vou amá-los. Apenas isso.
domingo, 5 de fevereiro de 2012
Parede.
Enquanto o perfeccionismo berra aos meus ouvidos, destruo tudo o que estava a erguer; sou um pobre amaldiçoado que nunca parará de levantar paredes na vida...
terça-feira, 31 de janeiro de 2012
Peso Morto.
Era uma vez um balão
Cujo baloeiro carregava uma pedra de estimação.
Aquela pedra nunca lhe serviu para nada
Só a tinha por que dela ele gostava.
Um dia, decidiu jogá-la fora
Distâncias mais altas ele consegue agora.
quarta-feira, 25 de janeiro de 2012
segunda-feira, 23 de janeiro de 2012
Caixinha.
De passos incansáveis, enches a noite minha
Ao som de um maldito polifônico
Calo a aflição de teu pé à pontinha.
O teu palco, o espelho
Aos meus olhos, a fome
De uma dança sem autor, nem pronome.
Ecarte, bailarina!
Gira, gira
Traz-me um sorriso
Tin tin tin tin
Demi pointe.
Guardo a tua doçura
Os teus gestos preciosos de pequena estrela
E a perfeição eterna levada na postura.
A graciosidade que carregas às mãos
De proteção hei de te enlaçar
Para que não mais tema te ver despedaçar.
Serás sempre minha
Em cima de minha escrivaninha
Não te preocupes, a chuva não se demora
Não há tanto interesse lá fora.
Dedicado a Catarina Linda Nunes
sexta-feira, 13 de janeiro de 2012
quinta-feira, 12 de janeiro de 2012
Transcendente.
E que a brisa que passa, desmonte meu corpo de areia. Nunca fiz parte daqui, sou espírito, sou força transcendente. Aqui, sou pássaro sem canto. Minha natureza é a emoção. Quero ser o horizonte, o brilho do mar que reflete o sol.
sexta-feira, 6 de janeiro de 2012
Aos Teus Olhos
“Aqueles olhos azuis são duas pedras preciosíssimas, cujo valor eu nunca poderei pagar.”
Olhando o planeta que nasci de uma forma tão única como
agora, vejo a magnitude da criação. Uma imensa bola azul que respira vida e que
comporta a vida. O azul tão ríspido e vívido que vejo, me deixa o sopro cruel
da saudade. Julgo, como um tolo, talvez, que o ápice deste planeta seja mesmo o
amor. Há tantas formas, tantos meios de o amor nascer e crescer. Nunca soube amar,
penso, mas agora vejo que tudo o que vivi de uns tempos pra cá, foi temperado
com amor. Um tipo de amor único, fraternal, embrulhado de desejo. Eu tive um
amigo, que abracei; um irmão, que estava comigo o tempo todo; e um amante, que
perturba minha mente inquieta até num momento como este. O azul dessa imensidão
de águas me lembra o mesmo azul por qual me apaixonei: o azul dos olhos dele.
Após o sucesso final da terraformação de Marte, eu nasci.
Vivenciei de perto a mudança da elite para a Nova Terra (como o antigo planeta
vermelho passou a se chamar). Há tempos que esse grupo restrito de
pentalionários investe grande parte de seus lucros na experiência faraônica da
transformação de marte em uma réplica fiel à Terra. Sim, porque há muito a
Terra mergulhou numa escuridão, formada pela camada de nuvens de poluição
acumuladas nas camadas da biosfera. Além disso, o caos estava instalado e a
população foi dizimada por pestes, guerras e os mais catastróficos acidentes de
usinas de fusão e fissão. A maioria das casas passou a ser construída no
subsolo, pois os furacões e afins eram constantes e o clima era algo absurdo de
se tentar entender. Havia surtos de contaminação biótica e nuclear por todas as
zonas de pobreza do mundo inteiro. Havia também muitas mutilações em crianças
recém-nascidas causadas pela contaminação de lixos nucleares. Eu nasci com
defeitos congênitos – poucos eram os que nasciam perfeitos – tinha cicatriz
imensa no olho esquerdo e também não falava. Minha forma de comunicação era por
meio de bilhetinhos que eu escrevia num bloquinho de papel. Estava sempre com
esse bloquinho.
Morava num retangular da parte sul da Zona-Europa, na parte
que correspondia ao antigo país chamado Itália. Ainda havia muitos resquícios
da cultura e língua italianas no retangular inteiro. Minha casa, construída no subsolo
de uma antiga rodovia, era muito simples. Nós entrávamos por uma porta de aço
maciço, no chão. Meu quarto ficava ao centro de um corredor. E, ali mesmo, na
minha cama, aprendia a me comunicar. Todos os dias. Minha mãe me ensinava uma
linguagem de sinais, que ela mesma desenvolvera, como também me ensinou a ler e
escrever. E quando, no meio de uma aula, Carizza, minha irmã caçula, invade o
quarto aos gritos, avisando sobre uma nave de porte 36 que havia cortado o céu
a pouco e aterrissara no audarrio abandonado de naves lucvelocita.
Saímos todos, bem como todos os moradores do retangular, emergindo do concreto
seco; estávamos todos apreensivos. Meus pais exigiram que entrássemos, mas eu
não o fiz; tranquei minhas irmãs e voltei à superfície e corri para o audarrio.
A grande porta lateral da nave descera à terra. Era algo colossal, nunca havia
visto de perto uma nave de porte 36.
Os milhares de tripulantes desceram aos poucos. Havia tanta
gente que nem acreditei que mesmo uma nave tão grande suportasse toda aquela quantidade.
A porta lateral que servia de pista de descida era bem larga. As pessoas, de
ambos os lados, estavam apreensivas, e até demorou alguns instantes para
tentarem algum contato. A comunicação era um tanto falha, pois as línguas eram
bastante divergentes. Mas, bastou um pouco de observação de minha mãe e eles
falarem que vieram do Brasil, para mamãe se propor a falar brasileiro. Minha
avó tinha vindo do Brasil, servir na guerra dos três sonavios. Mamãe
lembrava-se da estrutura da língua, e ela foi a intermediadora. Aos poucos,
tudo foi explicado e o momento de tensão, atenuando-se. Em meio à conversa, a
líder deles pediu para que o resto descesse da nave, que ela partiria para
levar as outras parcelas das pessoas às outras zonas. Dentre àquelas pessoas
esquisitas que andavam a passos lentos, avistei um grupo diferente. E naquele
grupo havia um garoto que chorava. Nunca vi alguém mais lindo na minha vida, a
não ser nos antigos merchans de centenas de anos atrás, que eu via nas pastas
de conservação que mamãe me mostrava, do tempo em que a humanidade ainda não
era brutalmente açoitada pelas consequências do capitalismo. Mas, eu estava
encantado por aquele garoto de beleza singular, que demorou a levantar a cabeça
do ombro de uma senhora, e tinha a aparência um tanto abatida. Minha atenção só
se esvaiu dele ao ouvir a noticia da catástrofe: A América do Sul tinha sido
engolida pelo mar. Fiquei perplexo, se bem que não era algo novo, pois com a
parte oeste da África tinha acontecido o mesmo, assim como as Filipinas.
Os líderes dos três retangulares mais próximos se reuniram e
decidiram o que fazer. A nave alçou voo e partiu para distribuir os outros
tantos milhares de tripulantes para a Zona-Europa. Após muitas discussões, foi
decidido que as obras para novas moradias começariam no máximo em três dias, o
planejamento tinha de ser muito meticuloso pois espaço era algo complicado de
se administrar naqueles tempos. E, enquanto as casas não ficavam prontas, os
flagelados se tornariam agregados de muitas das famílias do retangular. À minha
casa, foram apenas três, uma família. Minha casa era uma das menores do
retangular X-Itali.
Logo após a tomada de decisões, todos foram hospedar as
famílias desabrigadas. A que ficou conosco não demorou mais que dois dias, pois
uma parte das famílias foi para uma antiga escola abandonada que serviria de
abrigo. E, então, tive a privacidade do meu quarto de volta, pude pensar em
tudo o que gostava de pensar. Não sei o que estava acontecendo comigo, pra
falar a verdade. A imagem daquele garoto não me saía da cabeça, e enquanto
pensava nele, o sono se afastava mais e mais. Varei uma noite com a imagem dele
em toda parte do quarto, só cheguei a dormir pouco antes do amanhecer.
Androzza veio me perturbar o sono. Desde a chegada daquelas
pessoas, ela não vinha me visitar. Era uma amiga querida, uma das poucas que
não havia morrido ainda, andávamos sempre juntos. Ao chegar à minha casa, pouco
depois do desjejum, trouxera-me notícias. Notícias de um garoto cujos olhos
pareciam a imensidão do mar. Um garoto belo, dizia ela, que havia sido obrigado
pelos próprios pais a deixá-los para trás e vir para a Zona-Europa. Dizia que
ele estava triste, que chorava pela falta dos pais. Questionou-me se eu não
queria ir conhecê-lo, e num impulso, peguei o bloquinho e escrevi “NÃO”. Um
“não” impulsivo e categórico. Aquele garoto me deixava nervoso, mas não revelei
a Androzza. Então ela voltou para casa, tinha que dar atenção aos hóspedes. “Principalmente
a um deles, né?!”, pensei.
As semanas se arrastaram e as casas já estavam quase
prontas. Androzza vivia com o garoto para cima e para baixo, mal tinha tempo
para nós dois. E eu já o detestava. Muitas foram as vezes em que ela, em sua
companhia, vinha me chamar, mas eu sempre recusava. Ele, parado há alguns
metros, observava. Numa dessas, verifiquei a cor de seus olhos, e até mesmo de
longe, dava para perceber as águas-marinhas tão ávidas. Mas a minha atitude era
sempre a mesma, ficar longe. Vez ou outra, seguia-os, numa surdina, para
observá-los. Aquele moleque lindo, cujos olhos eram duas águas-marinhas, tomara
minha amiga de mim. Ele não merecia perdão.
Eu e Androzza passamos a ficar mais distantes. Nunca
aceitava seus convites e, um belo dia, ela parou de me convidar. Estava
cansada. Foi então que meu afastamento de Androzza me fez cair em culpa após
saber de sua morte. Sua família morrera de contaminação biótica, por ingestão
de comida contaminada. O garoto de olhos azuis foi salvo, ele ainda não tinha
descido para comer com a família, e assim que o fez, deu-se conta daquelas
pessoas que o acolhera agonizando à mesa de refeições. Nada pudera fazer, a não
ser correr para pedir uma ajuda inútil, pois essas organelas eram geneticamente
modificadas e avassaladoras. Havia a suspeita de que essas contaminações fossem
elaboradas pela elite, temendo uma revolta popular global. Mas, quem haveria de
fazer alguma coisa? Justiça não existia há muito.
Os corpos da família de Androzza foram levados para a
fornalha fúnebre. O garoto estava terrivelmente cabisbaixo. A tristeza
assolava-lhe o coração mais uma vez. Eu
não fui à cremação dos corpos e nem ele. Ao invés disso, fui para o rio que
cortava o retangular. Fiquei atrelado à grade de proteção, observando a nuvem
cinza que cobria o céu, pensando em como a humanidade sofria naqueles tempos.
As lágrimas vinham conforme as lembranças de Androzza empurravam meus
pensamentos de fuga e se punham a me torturar.
- Ela gosta muito de você. – disse alguém se
aproximando, enquanto estava parado frente à grade da encosta do rio. O clima
era frio àquela tarde. Virei-me e me surpreendi em constatar quem era.
Ele estava lá, estático, à minha frente. Seus cabelos, tão
lisos, dançavam com o vento enfraquecido pelas intempéries do clima. A pele
alva emitia uma serenidade e uma calma enormes. E os olhos... Malditos olhos!
Sempre tão malditos! Estava entregue e hipnotizado por aquelas águas marinhas
invadindo minha cabeça sem pedir licença. E, inconscientemente, eu tentava
achar palavras em algum lugar...
- Você fala diferente... – dei uma risadinha abafada, mas
logo percebi a idiotice que escrevi.
Como todos os outros, ficou curioso pelo jeito de me
comunicar e pela minha cicatriz. Percebi pela forma de me encarar. Mas, minhas
barreiras contra aquele inimigo que me levou a amizade com Androzza foi
esmagada como um inseto fedorento. Não pude resistir ao seu senso de humor e
sua companhia agradável. Conversamos a
tarde toda – eu com meu bloquinho e ele com seu sotaque estranho –, o
começo da noite, e até mais, pois pedi para minha mãe deixá-lo ficar por lá por
algum tempo. Ele dormiria no meu quarto, num colchão de lençóis velhos. E assim
foi, ele não ficou apenas aquela noite, mas tantas e tantas outras. Minha
família o adorara e acabamos por acolhê-lo. Sou o único homem dentre quatro
filhos, e sentia falta de um irmão para conversar coisas de menino. Amizade era
algo raro naqueles dias. Ele passou a ser meu alicerce para me sustentar quanto
à ausência e à culpa que a imagem de Androzza me causava. Assim como eu fui o
dele, consolando-o nas suas noites de profunda tristeza, quando a saudade de
sua família biológica e a adotiva apertava-lhe o peito e exprimia-lhe lágrimas
dos olhos.
Passamos a ser inteiramente amigos. Eu tinha apenas a sua
companhia e ele tinha apenas a minha. Andávamos pelos arredores do retangular,
como dois desbravadores, e como tais, descobrimos muitas coisas, como um esgoto
abandonado que servia como casa de morcegos. Era num ponto alto e dava para ver
a imensidão de quando o rio se fundia com o mar. Estávamos sempre inventando
brincadeiras imbecis que nos recheavam as manhãs e as tardes. Eram momentos tão
únicos e singulares, cada qual com suas emoções. Talvez, para ele, não
significasse muito, mas para mim, eram tudo. Ele me bastava para me sentir
menos só, menos deslocado e mais feliz. Eu o admirava em todos os aspectos.
Nunca conheci alguém mais doce. Não havia uma noite sequer que eu não
agradecesse a Deus por tê-lo enviado a mim.
Sua beleza me desconcertava e fazia-me sentir estranho em
certas ocasiões, como quando ele saía do banho, ou trocava o macacão na minha
frente. Talvez ele nem desconfiasse, julgo eu. Havia vezes que eu instituía
certas brincadeiras ridículas, como quem encara quem por mais tempo, apenas
para poder admirar-lhe os olhos com mais liberdade. E eu sempre ganhava, óbvio,
pois não me cansava. Algum impulso estranho me fazia propor essas coisas
malucas. Impulso esse que vinha daqueles azuis tão instigantes. Apesar de perceber
sua inocência à distância, ele ainda exercia um certo mistério sobre mim. Quem
sabe não fosse o corpo? Talvez a pele, o cheiro? O amor natural nunca morrera,
mesmo com todo o sofrimento da humanidade diante de tantos séculos.
Porém, o que eu não sabia era que tinha mais alguém de olho
na beleza daquele rapaz de pele alva e barba surgindo, tímida. Aqueles olhos,
cujo paraíso estava escrito neles, chamaram a atenção de um top-ameba. O cara fedia
a riqueza e poder. Era um designer de realidade holográfica, pelo que soube.
Estávamos voltando para casa, por uma antiga estrada de
concreto, quando uma navterrea estacionou bem à nossa frente, deixando-nos
assustados. A viseira fumê da cabine levantou-se e o cara desceu, com seu
cheiro penetrante – um bom perfume, certamente – e fez uma proposta, que,
indiscutivelmente, se estendeu apenas ao meu amigo. Ao ver que seria apenas a
ele, recusou, mas eu fui insistente e escrevi no bloquinho que ele aceitaria,
mostrando-o para o ameba. O homem ranzinza não gostou muito da minha ousadia em
dirigir-lhe a palavra, mas eu estava ajudando-o a levar meu grande amigo para a
Nova Terra. A proposta era para que fosse imagem primária dos novos projetos
holográficos para entretenimento. Ele faria parte da elite, ele poderia ser
feliz na terra-paraíso dos pentalionários. Ele viveria no Olimpo e seria um
deus. Deus esse, que eu reverenciaria até o fim dos meus dias.
Convencê-lo foi bem difícil, o caminho inteiro fui
mencionando tudo o que ele poderia ser, e iria se livrar do imenso sacrifício
que era viver na Terra, e talvez, algum dia, voltar para procurar seus pais.
- E visitar os amigos, se sentir saudade. – Escrevi, tímido.
Ao chegar e dar a
noticia a mamãe e às minhas irmãs, todas ficaram muito felizes por ele. Mamãe
fez até um bolo para comemorarmos! Mas eu sabia que ele estava triste. Desde a
partida dolorida de sua terra-natal, até aqueles dias, sem notícia dos pais,
nós fomos os que o acolheram, fora a família de Androzza, que jazia em paz.
O destino de sua partida era um laser que me castigava. À
noite, ao banho, chorei como um condenado. Sentiria falta dele, muita falta. Já
estava chorando a saudade daqueles olhos que me deram conforto por todo esse
tempo. Deixei-o dormir e fui para o quartinho de ferramentas, tentar consertar
um aparelho meio antigo que registrava imagens em 2d, precisava guardar alguma
recordação.
A noite engatinhou
cansada para mim. Mamãe me acordou às 9 da matina, caído na mesa e em cima do
aparelho. Graças a Deus eu tinha consertado. Iria tirar fotos de todos da família
para que ele pudesse levar, mas tinha por ambição uma imagem dos seus olhos.
Passamos a manhã nos divertindo com o tal aparelho antigo, mas ele estava
bastante cabisbaixo. Notando isso, mamãe o falava das maravilhas que ouvira falar
da Nova Terra, e seus sorrisos de resposta eram sem-graça.
Tiramos tantas fotos, mas sempre distantes. Nenhuma captava
com exatidão o que eu queria ficar com o máximo de lembrança que pudesse. O
próximo trabalho foi grafar as fotos, e foi um sacrifício achar um papel
adequado e com qualidade suficiente para que durassem muito. Levou algum tempo
para eu imprimir as fotografias para ele levar. Ele deve ter ficado feliz, pois
seu semblante triste deu lugar a uma pitadinha de luz, num sorriso tímido. Mais
tarde, ele arrumava a bolsa com certa morosidade, típico de alguém que faz a
contragosto. Entrei no quarto e dei-lhe um sorriso, tentando passar conforto e
satisfação. Sentei na cama e observei-o, sem nada dizer. Estava encabulado.
Ainda não tinha tirado a foto que tanto desejara. Nunca tinha sentido um
nervosismo tão grande para escrever alguma coisa. A mão tremia e as palavras
voavam como pássaros assustados. Foi com muita falta de jeito que o disse – por
alto – sobre a minha admiração por seus olhos. E pela primeira vez, ele me
abraçou. Meu corpo parou naquele momento e demorou em responder-lhe o ato que
sonhei durante tanto tempo, mesmo que inconscientemente. Enxugando os olhos,
ele sorriu e se posicionou para que tirasse a imagem em 2d. Tive dificuldade,
pois ainda tremia muito.
Sua viagem estava marcada para a noite. Ele seguiria com o
top-ameba para o norte da Zona-Europa e de lá, embarcaria num avioespacial
direto para a Nova Terra. Estávamos jantando e eu percebia a movimentação aérea
pelas janelas do teto e pelos barulhos dos sonoros motores de alta geração. As
luzes das naves já podiam ser vistas da janela da minha porta. Ao terminarmos,
fomos todos o levar: eu, meu pai, minha mãe e minhas irmãs. Andamos muito até
chegar ao audarrio do outro retangular. Lá havia uma pista apropriada para
naves de tecnologia de ponta. Ao chegar, todo o local estava protegido por um
campo eletromagnético. O deixamos na
ponta de entrada mesmo, já que não poderíamos entrar na zona franca, éramos
apenas nascido-imundos. Eu segui o mais longe que pude com ele, e antes de dar
adeus, ele me abraçou, novamente, engolindo-me o fôlego:
- Vem comigo. – sussurrou ao pé do meu ouvido.
Eu tremi e não consegui dar-lhe adeus. Ele ultrapassou a
faixa mesclada e caminhou sem olhar para trás. A sensação do abraço sumia
gradativamente, enquanto eu observava seus passos pesados. Virei-me, estático,
e segui com minha família para a minha casa. Neguei todos os abraços de
conforto que minha mãe quis me dar, queria ficar sozinho. Pedi para voltar e
vê-lo partir para o céu. Ela tentou-me explicar que não daria para ver, mas ao
perceber que eram meus olhos marejados que faziam tal pedido, consentiu.
Alertou-me para ter cuidado, e seguiu para casa com papai e minhas irmãs.
Cheguei o mais perto que a segurança permitia. Muitos motores terrestres
seguiam para dentro e o círculo do campo de força ainda não havia se fechado,
ele ainda estava ali dentro.
“Vem comigo” zunia nos meus ouvidos. Viveria, então, sem
ele. Disso eu tinha quase certeza. Sim, porque o impulso me clamava para fazer
algo. O mesmo impulso que me dava a certeza de que aquela amizade e a nossa convivência
eram muito importantes para mim. O círculo começou a se fechar, para então, me
separar dele definitivamente. Restava apenas uma pequena fresta, que ainda me
cabia... Pulei. Pulei e cheguei a queimar o braço e meu sapato esquerdo. Segui
à surdina, descalço, já que meus calçados não prestavam mais, a borracha estava
derretida. Um pouco mais e ficaria manco.
Tentei correr sem ser visto e obtive sucesso. A essa altura,
os radares de terreno já deveriam ter sido desligados, já que o campo de força
estava totalmente fechado. Um alarme soou alto e assustador. O avistei indo,
sozinho, colocar sua pequena bolsa no expresso que levaria-a para a nave.
Toquei-lhe o ombro ao alcançá-lo e num instinto de pura felicidade, nos
abraçamos. Algumas perguntas triviais, de praxe, numa situação como essa, e
logo planejamos como eu iria. Iria junto à bagagem, escondí-me numa caixa que
estava destrancada no expresso e lá fui eu.
Foi uma atitude impensada. Conforto-me, porém, em ter
ciência de que foi pelo que sentia. Não havia tanto futuro naquela Terra, já
abandonada pelos “donos do mundo”. A única coisa que me preenchia os dias era a
amizade que o destino me presenteou. Desde muitos séculos atrás que a tristeza
e a desesperança guiam a vida dos homens dessa era, mas para mim, havia um
motivo por qual lutar e por isso eu estava espremido, no meio daquelas bagagens,
iludido com a irreal possibilidade de viver na Nova Terra. Entretanto, fui pego
na nave, pelo laser de descrição total. A ação foi rápida, os seguranças da
tripulação eram bastante hábeis. E arrastado, me levaram até os superiores.
Nunca vi um corredor mais longo. Levado á cabine secundária, fui tratado como
um saco de lixo biótico; eles não tiveram a mínima piedade. Fui humilhado,
abusado, xingado de tantos nomes que nem consigo contar. Meu amigo
apercebera-se da gritaria e abriu a viseira da porta. Ele presenciou tudo. Pude
ver o desespero com que esbofeteava a janelinha de acrílico. Tentei sorrir,
mesmo com o rosto machucado, para passar-lhe uma confiança que eu não tinha.
Aliás, poderia ter. No fundo, tinha esperança de que nos colocaríamos juntos,
depois de tudo. Vejo como a ilusão é algo amenizador em momentos de sofrimento
como esse. Mas não foi assim. No fundo mesmo, eu estava enganado.
Por mais que tivéssemos protestado, não houve conversa. Os
seguranças me puseram um para-quedas, abriram uma porta pequena e me arrastaram
até lá. Ambos estáticos, eu e ele. Eu, sendo arremessado para fora da nave em
pleno vôo, a não sei quantos mil pés. Ele, tão impotente contra a bestialidade do
sistema, que descartava da maneira mais vã qualquer coisa que não lhe servia.
Ainda pude ver seus olhos, e ele estava chorando. Isso me doeu demais. A porta
se fechou e ainda percebi uma risada maldosa no rosto de um dos carrascos,
depois entendi o porquê.
Estávamos definitivamente separados. Ele iria para longe, e
eu voltaria para casa, caso saísse vivo dessa. Tanto esforço para nada, ele
estava partindo e eu nunca mais o veria. Ao pensar nisso, demorei a acionar as
asas do para-quedas. Acionei. Acionei novamente. Acionei mais uma vez e continuei
acionando, desesperado. O para-quedas estava quebrado e eu ganhava cada vez
mais velocidade. Estava mergulhando para uma queda fatal, mas, incrivelmente, a
calma chegou mansa, e eu respirei fundo a conformação. Pus-me a olhar ao redor.
Acima das nuvens existia um outro plano, que era palco das histórias
fantásticas que minha mãe me contava quando criança. Havia o sol à minha direita,
irradiando vida, enquanto à minha extrema esquerda, um disco brilhante me
brindava com uma luz prata que lembrei se chamar lua, e ao infinito, à minha
frente, milhares de pontos de luz.
Mas havia algo mais interessante que tudo aquilo. A fotografia
que havia tirado pouco antes da primeira despedida estava no meu bolso. Tirei e
olhei. E fixado naquele pedaço de papel, mergulhei abaixo das nuvens com a
visão da minha perdição. Naquele momento, aqueles olhos azuis se tornaram duas
pedras preciosíssimas, cujo valor eu nunca poderia pagar.
quarta-feira, 4 de janeiro de 2012
Deixe-me contar uma história:
Alimentando cisnes
João Pedro morrera aos dezessete, perto dos dezoito. Manuzeara de forma principiante a arma que tirara do criado-mudo do pai – tinha visto há uns dias o pai esconder embaixo de uma pilha de papéis – na surdina do sono da tarde que era habitual do seu velho pai. Dali para o estrondo que tirara sua vida, foram poucos minutos. Diante do cadáver de seu amado, Carlos não chorou. Segurou firme, como um homem de verdade o faria. Porém, ele deveria tê-lo feito, pois a imagem do seu amante infame não saíra de sua cabeça durante um bom tempo; ela parecia suplicar alguma coisa. Coisa essa que ele nunca deu ouvidos.
Logo depois de sua esposa morrer – ainda um tanto jovem e solitária, diga-se de passagem – ele passou a alimentar cisnes. Todos os dias caminhava alguns kilometros, desde sua casa até o parque onde, ao centro, se estendia um lago. Ao pôr-do-sol, a paisagem era linda, parecia até uma pintura, pensava. Tirava o saquinho de milho de um dos bolsos e punha-se a jogá-los aos punhados perto da água. O velho adorava ver os cisnes se aproximarem, famintos. Esse era o ritual diário de um velho ranzinza e manco que vivia atormentado por Tisífone.
Certo fim de tarde, não se deu conta do passar do tempo. Após o saquinho de milho esvaziar, o velho pegou no sono. Acordou tarde e o parque estava envolto da treva da noite. Não havia luar naquela noite fria. Mancando, devido à guerra que lhe carregara a perna esquerda, fora lenta e pacientemente tomando o caminho de casa. Mas o parque era grande. E à noite, perigoso. Não percebeu, por tanto, que um grupo se aproximara. Cercaram-no e pediram para esvaziar os bolsos. Mas, ao mirar bem para os rostos dos rapazes, num esforço para captar a luz que se esvaia de algum poste há poucos metros, seu olhar se estancou num certo moreno. Moreno esse cujos traços ele conhecia bem.
A gangue não era lá tão paciente, e o silêncio do velho, petrificado com a imagem de um dos rapazes à sua frente, não foi de grande ajuda. O espancaram. O espancaram como se não ouvesse vida nas suas carnes sofridas pelo tempo. Tornou-se um boneco nas mãos daqueles jovens brutos e crueis. Passando de mão em mão, toda vez que chegava às do tal moreno, ele implorava-lhe desculpas. Implorava-lhe que o perdoasse. Implorava-lhe que entendesse a sua honra de homem. E chegou até a implorar que o matasse. João Pedro voltara. Voltara para cobrar-lhe a dívida que tinha para com ele. Ele mentiu. E não só mentiu, também matou o grande amor de sua vida. Matou-o de forma traiçoeira, pelas costas.
Os banderneiros deixaram o velho agonizando num lugar às margens do lago. Enquanto o rapaz moreno, cujo semblante estava escrito as lembranças de João Pedro, caminhava junto aos outros, Joaquim dava, então, seus últimos suspiros. Os últimos instantes em que sua alma estava limpa, e sua dívida, paga. Seu amor por aquele rapaz atlético nunca morrera. Nas noites em que amava a esposa, era nele que Joaquim pensava. À morte da mulher que ele sugou a vida às migalhas, ele não chorou. Não chorou pela falta de amor que tinha para com ela, diferentemente do outro, que amara insanamente. Mas, naquele instante em que estava estendido na grama úmida dos arredores de um lago fedorento, o amor brotara da natureza selgavem que ali permeava... Os cisnes velaram sua morte lenta. Aos segundos que se arrastaram como uma presa abatida gritando pela vida, Joaquim chorara o que não havia chorado. Chorara pelo peso de um assassinato. Pela felididade de uma familia inteira que ele quebrou como um vidro inútil. Pela vida que jogou num esgoto sem fundo. Pelas lembranças de um amor. Pela covardia que o fez emburacar no primeiro boeiro que vira.
Três respirações antes de se entregar ao sono da morte, Joaquim deu-se conta de que João Pedro nunca morreu totalmente. Nunca conseguiria matá-lo para sempre.
domingo, 1 de janeiro de 2012
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