segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Pobreza e Maldição.



Pobre maldito cantor
Preso no corpo de um bailarino
Contorcendo sua dor,
Sufocando seu destino

Pobre maldito moribundo
Sob os trilhos retos e honestos
Contraindo a euforia entre os gestos
Colocando-se à margem do mundo

Pobre maldito poeta
Perdeu a pena e o papel
E os versos que engaveta
Dessa vida tão cruel

Pobre maldito menino
Inebriado pela própria inocência
Entregando-se ao cortejo cretino
Da vida que só lhe traz insolência

Pobre maldita alma
Sob o invólucro da dor
E da insegurança que traduz a calma
Da insanidade de ser sonhador
Entregando-se aos passos
Abafando a garganta,
Que a inveja dos deuses confronta

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Adulto.



O céu enegreceu de vez. Não há retorno depois do ponto-limite, então, aqui estou eu, num barco à deriva. Sem chamada de emergência, sem mapa, sem volta. A vida concebe nossas causas, nós determinamos as consequências. A benção da existência humana é a escolha, a desgraça, também. As lágrimas, como é sabido, são o sangue da alma, contudo, não valem um vintém no câmbio da vida. A moeda de troca é a dor; e de dor em dor, as lágrimas perdem valor. Ou seja, uma lágrima depois dos vinte é mais cara. O alívio torna-se objeto de luxo, e os prazeres esdrúxulos e antes estranhados, depois enaltecidos. Pois, a única alternativa que o destino nos deixa é uma auto-felação numa tentativa errônea de compensação. Convenhamos: quando se está perdido num deserto árido e morto, qualquer sombra é palácio.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Borderline.



Ao acordar, penduro os lençóis ao sol, para que sequem. Todas as manhãs os lençóis estão encharcados. O sangue que verto ao sonhar ensopa e suja o chão do quarto. Não há água e sabão que dê jeito, todos os dias são os mesmos. Visto-me da cabeça aos pés e ando em posição artificialmente ereta – todos andam assim. Meus traços levam uma serenidade de quem se equilibra numa faca, mas ninguém percebe – o mais importante é o silêncio, caso não seja dito, ninguém verá. As sobrancelhas, por exemplo, guardam a forma exata de se tensionarem para que não transpareçam mais do que devem. As mãos, sempre atadas à cintura, para que se alinhem com o tronco arduamente colocado de pé. O instinto do abraço eu deixo que escorra chão abaixo – ninguém o tem. E o dia, então, começa. O cuidado é dobrado: não encostar-se a nada, não transparecer, morrer ao colocar o pé após a linha da porta. O sangue escorre a cada passo, ensopa as roupas, se espalha pelo chão. Eu sinto mais frio que os outros, a carne crua está camuflada pelos quilos de roupas que carrego comigo, numa tentativa suplicante de não ser notado – porém, o mais importante é o silêncio.
Meus lábios, sempre serrados à serenidade, mentem sobre o que me cobre os olhos. Não há choro. Porém, há o risco de avalanche sempre eminente. Sirenes de terremotos. Sentinelas que vigiam um mar predador que espreita minha vontade. E anjos que guardam meu segredo: eu sou uma maldição. Um cio descontrolado e castrado mascarado pelo sol que se estende acima. Um canal que se obstrui e o sangue que flui pelos pés. Os dias se tornam mais exaustos quando não existe opção de caminho e o músculo rasga, descarrega minha força. Gladio impetuosamente contra a manada que conflita para entrar em controle. Há várias cabeças de leões no quarto quando fecho a porta, uma a mais no dia seguinte. Há várias marcas que trago no corpo; e a súplica por uma queloide que seja, contudo, o líquido vermelho ascende à luz e jorra – nem rápido, nem devagar, apenas continuadamente. Sou feito de carne e sangue. Eu sinto muito – não falo de lamentação, mas literalmente. Uma infeliz literalidade.
 Hoje estou cego, também. As luzes, sempre tão fortes, encandeavam tudo ao redor. Só existia a luz azul, ou a vermelha, uma preta ou uma branca. Nunca pude enxergar além do brilho. Nunca pude compor uma paisagem inteira. Contudo, veja a minha beleza. O sangue que verte da minha carne é vermelho vivo, meu espírito aflora. O sangue escorre pelo braço e eu escrevo em letras garrafais:
“Todo e qualquer ser humano é perdoável, pois a dor – qualquer que seja – é o câmbio da vida.”


quinta-feira, 16 de abril de 2015

Afogado.

Hoje a casa está inundada. Desde a tua partida, a água vem se acumulando pelos cantos, fazendo poças, inundando os cobertores que serviram de teto aos nossos corpos. Tenho me afogado com frequência. E agora eu te causo a sede, te deixando à mercê das águas mais vagabundas para te saciar. Por mais que me preocupe, sei que não devo. És dono das tuas escolhas, do teu destino e da tua desgraça. Só não podia desmoronar junto contigo, seria injusto. Tenho água demais e tu sabes. Posso matar a sede de qualquer um que se encoraje a adentrar no meu recinto, tomar um café e dividir as lamúrias comigo. Por isso, eu escolhi te deixar da porta para fora. Antes morrer afogado num amor que não doei, que aceitar de bom grado as tuas adagas.

segunda-feira, 23 de março de 2015

Guerra.

O último verso de uma poesia é o livro que se fecha. Bem como um sonho ao amanhecer, não passa de mero esquecimento.
Hoje, meus passos vêm a sós. Pés calejados e mãos feridas de um esforço desumano em troca de nada. Não que eu veja o amor como uma guerra, mas me pego vestido para o campo de batalha. Daria um rim por qualquer armadura que me fornecesse um pouco mais de equilíbrio.
Tudo em ti, agora, me afugenta. Traz a raiva e a mágoa. E o amor que tive, agoniza. Como sempre me colocaste, eu ainda estou balançando por entre um vale de incertezas. Tão perdido que nem ao menos saio do canto. Quem me vê imóvel, enxerga a comodidade de uma certeza que ainda não me cabe; mal sabem, estou entre a cruz e a espada. 



domingo, 15 de fevereiro de 2015

Lixo.




                O tempo se esparramou por aquele quarto minúsculo que julguei que seria suficiente. Os momentos se converteram em lembranças e se amontoaram. Dentro de quatro meses, há minutos demais, horas demais, finais de semana demais. E hoje eu estou apavorado. Produzimos o lixo mais lindo e valioso do mundo, contudo, nenhum de nós irá recebê-lo de bom grado caso tudo termine num tribunal. Tu o empurrarás para mim. Porém, francamente eu me deixei poluir. Também não sei por onde começar a faxina, talvez nem queira. Talvez não haja mais o que se fazer. Permaneço, então, entre a cruz e a espada. Entre a beleza e o medo.  Vivo a nós como se tudo fosse uma fábula de papel que logo estará se desintegrando. Eu, como um escritor decadente, acabei prolongando demais o final feliz e o ponto final se perdeu dentre as entrelinhas. Agora tenho medo até de encontra-lo. Não sei o que faria com tudo aquilo que produzimos. Escrever, não mais! Então, me chame um conciliador e que se faça a partilha dos bens. Eu, de certo como vítima, exijo todo o teu desapego e de herança a ti, te deixo todas as lembranças.





sábado, 31 de janeiro de 2015

Sonho.



A alvorada me dá os últimos goles da tua ilusão. A noite se foi e o sonho escorreu pela janela. As melodias me deixam com a sensação do sabor, mas não me alimentam. O Sol vem para queimar minha pele e me despertar para a dor cotidiana. Os passos apertaram e as minhas costas gritam por tua imagem, assustam meus olhos. Meu corpo magro e carente está exausto o dia inteiro, quase implora por cama, sufocado numa mentira dita minuto a minuto. Eu ainda estou de pé, e uma certa maresia desembaraça minhas penas antes de dormir. Visto a noite que faço todos os dias, trançando fantasia com esperança. As estrelas são apenas consequência. Fecho os olhos e logo o sorriso tímido alastra minha boca. Você não saiu daqui.