segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Borderline.



Ao acordar, penduro os lençóis ao sol, para que sequem. Todas as manhãs os lençóis estão encharcados. O sangue que verto ao sonhar ensopa e suja o chão do quarto. Não há água e sabão que dê jeito, todos os dias são os mesmos. Visto-me da cabeça aos pés e ando em posição artificialmente ereta – todos andam assim. Meus traços levam uma serenidade de quem se equilibra numa faca, mas ninguém percebe – o mais importante é o silêncio, caso não seja dito, ninguém verá. As sobrancelhas, por exemplo, guardam a forma exata de se tensionarem para que não transpareçam mais do que devem. As mãos, sempre atadas à cintura, para que se alinhem com o tronco arduamente colocado de pé. O instinto do abraço eu deixo que escorra chão abaixo – ninguém o tem. E o dia, então, começa. O cuidado é dobrado: não encostar-se a nada, não transparecer, morrer ao colocar o pé após a linha da porta. O sangue escorre a cada passo, ensopa as roupas, se espalha pelo chão. Eu sinto mais frio que os outros, a carne crua está camuflada pelos quilos de roupas que carrego comigo, numa tentativa suplicante de não ser notado – porém, o mais importante é o silêncio.
Meus lábios, sempre serrados à serenidade, mentem sobre o que me cobre os olhos. Não há choro. Porém, há o risco de avalanche sempre eminente. Sirenes de terremotos. Sentinelas que vigiam um mar predador que espreita minha vontade. E anjos que guardam meu segredo: eu sou uma maldição. Um cio descontrolado e castrado mascarado pelo sol que se estende acima. Um canal que se obstrui e o sangue que flui pelos pés. Os dias se tornam mais exaustos quando não existe opção de caminho e o músculo rasga, descarrega minha força. Gladio impetuosamente contra a manada que conflita para entrar em controle. Há várias cabeças de leões no quarto quando fecho a porta, uma a mais no dia seguinte. Há várias marcas que trago no corpo; e a súplica por uma queloide que seja, contudo, o líquido vermelho ascende à luz e jorra – nem rápido, nem devagar, apenas continuadamente. Sou feito de carne e sangue. Eu sinto muito – não falo de lamentação, mas literalmente. Uma infeliz literalidade.
 Hoje estou cego, também. As luzes, sempre tão fortes, encandeavam tudo ao redor. Só existia a luz azul, ou a vermelha, uma preta ou uma branca. Nunca pude enxergar além do brilho. Nunca pude compor uma paisagem inteira. Contudo, veja a minha beleza. O sangue que verte da minha carne é vermelho vivo, meu espírito aflora. O sangue escorre pelo braço e eu escrevo em letras garrafais:
“Todo e qualquer ser humano é perdoável, pois a dor – qualquer que seja – é o câmbio da vida.”


Nenhum comentário:

Postar um comentário