A moça que atendia na bilheteria do teatro me olhou de cima a baixo por cima dos óculos meia-lua assim que parei na frente de seu balcão. Suas sobrancelhas arqueadas davam um ar de chatice, mas não liguei, enfiei a mão no bolso direito e tirei as notas de dinheiro que surgiram instantaneamente, era o valor certo. Paguei e peguei o bilhete, entreguei ao rapaz que estava de frente à sala 9, a sala da peça que eu assistiria.
Era o último dia de uma peça fracassada, ou seja, o teatro era só meu e de Alex, Vanessa e Carmem, os três únicos personagens da trama. Escolhi a cadeira ao lado do corredor central, na sexta fileira. Sentei-me e pacientemente esperei o inicio da peça. As cortinas se abriram e a trama que até então não tivera um grande apreço do público começou. Um enredo simples, falando de uma amizade cotidiana, sorrisos, alegrias, tristezas compartilhadas. Nada muito elaborado, mas eu via algo mais naquele enredo. Os três carregavam no pescoço um pedaço de cascalho, cada um com sua cor e forma diferenciadas, pendurados por um fio fino de couro e eu queria cada um deles.
Uma hora de espetáculo, dentre todas as cenas cotidianas que nunca tive e as cortinas se fecharam. Uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete, oito palmas com intervalos lentos. Permaneci de pé no corredor central, sabia que eles sairiam por aquele caminho. Trinta minutos depois eles saem, risonhos e se deparam comigo. Estendi um sorriso na face e cumprimentei cada um. Aceitaram tomar um café comigo naquela noite fria.
Chovia forte e a cafeteria mantinha um clima agradável. Ora ou outra, um deles mirava a minha “corcunda”, mas não se manifestaram em perguntar o porque, em contrapartida, eu fitava o meu objeto de desejo: os três colares.
Tive que ter um certo jogo de cintura para que eles revelassem qual era a dos colares. Não entendi direito, claro. Nem em vida terrena eu consegui entender relações humanas, mas percebi que aqueles colares tinham um elo entre si e entre seus respectivos donos. Eram extremamente importantes para cada um e coletivamente falando.
Num roubo em plena avenida ao sairmos, o danado do ladrão pediu além do dinheiro, também os colares, meu interesse foi aguçado naquele momento. O que eles fariam sem os colares? Ficaram um pouco tristes, mas percebi que o elo não foi embora junto com os colares. Aquilo era cascalho e couro, só. Me despedi deles, que pediram algo pra contato. Dei um papel que logo ficaria totalmente branco, eu não poderia ser achado.
Saí andando procurando um beco escuro com uma poça d’água, iria voltar da mesma forma que vim. O trombadinha estava caído no chão logo mais a frente e eu aproveitei para pegar os colares, tive nas mãos. Poder nenhum senti, sensação nenhuma senti, emoção muito menos. Era só cascalho e couro, não tinha nenhuma ligação entre si. Sorri de canto de boca e joguei as três bugigangas no primeiro lixeiro que achei.
Na verdade, eu não queria as pedras e os fiapos de couro. Eu queria o que nunca tive. Queria a mesma ligação que tinham aqueles cordões. Queria tudo o que a peça retratava, o tal do café-com-leite proporcionado por ligações fraternas. Aquelas porcarias de cascalhos não serviam pra nada.
Maldito simbolismo humano.
Continuei a observá-los por longos e longos dias. Era sempre a mesma coisa, viviam o que foi retratado na peça e eu ficava cada vez mais confuso e abobalhado com aquilo. Sempre coisas tão pequenas, mas que enchiam meus olhos.
Mas eu não poderia ter aquilo, não tinha um colar e nem fazia parte do meio terreno, eu era avesso. Mas sempre estava por perto, sempre.