domingo, 16 de outubro de 2011

A Menina do Cabelo Rosa.

Naquela tarde de inverno, o frio tinha dado uma trégua. Aproveitei para descer à calçada e fumar um pouco. Encostado num poste de luz, permaneci, quieto, me deliciando com meu cigarro. Eis que, de alguma esquina, ela surge – eu sabia que ela passava por ali naquele exato horário –, seus fios de cabelo tingidos de rosa dançavam uma valsa suave, regidos pela senhora brisa, que ditava, delicadamente, os passos da dança. Seu andar diferenciado e excêntrico me prendeu a atenção por segundos antes de tentar interpretar a roupa que ela carregava no corpo. Desde o tempo que a notei, em cima do meu parapeito diário, percebi uma grande criatividade. Lembro-me até do primeiro sorriso que vi brotar do seu rosto imponente, mais parecia uma moleca! Seu jeito brincalhão e tantas outras coisas. Mas ali estava eu, e lá vinha ela. Eu a observava vir em minha direção e tentei disfarçar. Abaixei a cabeça, fitando a fumaça do meu marlboro – que segurava com o indicador e o polegar – se dispersando no ar e ouvia atentamente o “toc toc” dos seus sapatos. Poucos segundos e levantei a cabeça, vendo-a com um sorriso estendido, há poucos metros de onde estava, continuando em minha direção. Sabe, por um momento eu pensei que aquele sorriso era meu, cheguei até a arquitetar outro de retribuição, mas ao pousar o olhar para trás, vejo que ela estava acompanhada. Sua turma a aguardava logo atrás de mim. Apaguei o cigarro e voltei ao meu parapeito, o frio voltara.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Maçaneta.


Diante de uma porta colossal cheia de espinhos, me vem o medo falar sobre conseqüências, e ao olhar para trás, apenas a visão de estradas torpes que fiz questão de atravessar, mas que talvez tenham me levado a algum lugar. Há tantos caminhos, assim julgo, depois desse grande portal que me faz tremer. Não tenho mais espaço para o cigarro, ou asas e nem mesmo para vôos clandestinos. ‘Enraizar e amadurecer’, ‘enraizar e amadurecer’, ‘enraizar e amadurecer’... Como caminhar? ‘Enraizar e amadurecer’, repito outra vez perdida. E vem o medo, novamente, soprar aos meus ouvidos o que eu tento afastar da minha mente nas noites solitárias. Carrego planos amadores numa grande pasta embaixo do braço, aguardando mais e mais folhas rabiscadas de planos e metas traçadas ao longo do caminho que me levar; nunca sonhos, jamais! O destino me aguarda, sentado na sua velha cadeira de balanço, cujo ranger irritante, consigo ouvir antes mesmo de cruzar esta maldita porta.
Ao puxar a monstruosa maçaneta e dar o primeiro passo, não haverá mais como retroceder e assim, o amor ficará cru. Não sonharei; cada vez mais adentro num mundo de solo escaldante e água fresca escassa. Não sonharei; isso é regalia para esquizofrênicos. Eu juro que não sonharei mais após passar por esta porta.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

"Ela não existe!"

Eu era um pinguinho de gente. Tinha entre dois e três anos, algo assim. Minha babá, Paula, acabara de me levar ao trabalho de mamãe, e já estávamos voltando à rodoviária. Passávamos por um cruzamento – até hoje ele existe – cheio de curvas, aonde os carros iam e vinham, e confundiam qualquer um. Lembro-me bem que ela segurava a minha mãozinha pequena e andava, praticamente me arrastando. Ela era impaciente. Tinha medo de perguntar-lhe, mas a menina me fazia falta. Eu lembrava-me dela, e a admirava também. Será que ainda lembrava seu nome? Talvez, não recordo-me bem. Mas eu sorria ao lembrar de seus cabelos, do sorriso e da sua postura também.
Eu tinha medo da minha babá, contudo, eu a perguntei sobre a menina, aquela que me fazia tanta falta, de quem eu tinha poucas imagens e grandes sentimentos.
“Ela não existe! Agora cala a boca e anda.” Resmungou.