quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Cilício / 01



Meus olhos escuros enuviaram o mundo dentro e fora da minha casa. Assim como o céu, que forrado de cinza, castigou-me com o frio diário e permanente. A primavera fugiu como uma ave amedrontada, e com ela, toda a esperança. Meus gritos foram de desespero, mas, ao que parece, meu rosto molhado e vermelho serviu-me apenas de carranca, nenhuma das duas apareceu mais por essas bandas, até agora.
Estou eu, sentado no chão da sala, acompanhado apenas de uma pinga barata. Estou moribundo, febril e ardente, mas só por dentro. Minha alma grita, e, a cada runido seu, açoita o meu pobre futuro. Um auto boicote; um assobio tenebroso que me diz a cada instante que eu não tenho chance. Hoje percebo que a liberdade é um dom de poucos, porque estou aprisionado aos gritos da minh’alma.
Na verdade, estou a esperar meu destino final: a dor perpétua. E não, não é uma dor de alma ou algo do tipo. Eu aguardo a dor física, mesmo. Mas, mesmo sendo física, é tão capaz de modificar o espírito, pois, de qualquer forma, é dor.
A porta tornou-se uma sentinela. Ela me dirá quando tudo começar, ao abrir. Enquanto isso, a pinga se mistura às lágrimas que me molham os lábios. Muitas!
Tremendo de frio, sozinho e num completo breu, eu aguardo pacientemente o demônio que me trará a encomenda. Não ficarei surpreso, claro. Esta dor já me foi apresentada em teoria. Francamente, eu a anseio. Sei, de antemão, que receberei um cilício.



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