Meus olhos escuros enuviaram o mundo dentro e fora da minha
casa. Assim como o céu, que forrado de cinza, castigou-me com o frio diário e
permanente. A primavera fugiu como uma ave amedrontada, e com ela, toda a
esperança. Meus gritos foram de desespero, mas, ao que parece, meu rosto
molhado e vermelho serviu-me apenas de carranca, nenhuma das duas apareceu mais
por essas bandas, até agora.
Estou eu, sentado no chão da sala, acompanhado apenas de uma
pinga barata. Estou moribundo, febril e ardente, mas só por dentro. Minha alma
grita, e, a cada runido seu, açoita o meu pobre futuro. Um auto boicote; um
assobio tenebroso que me diz a cada instante que eu não tenho chance. Hoje
percebo que a liberdade é um dom de poucos, porque estou aprisionado aos gritos
da minh’alma.
Na verdade, estou a esperar meu destino final: a dor
perpétua. E não, não é uma dor de alma ou algo do tipo. Eu aguardo a dor
física, mesmo. Mas, mesmo sendo física, é tão capaz de modificar o espírito,
pois, de qualquer forma, é dor.
A porta tornou-se uma sentinela. Ela me dirá quando tudo
começar, ao abrir. Enquanto isso, a pinga se mistura às lágrimas que me molham
os lábios. Muitas!
Tremendo de frio, sozinho e num completo breu, eu aguardo
pacientemente o demônio que me trará a encomenda. Não ficarei surpreso, claro. Esta
dor já me foi apresentada em teoria. Francamente, eu a anseio. Sei, de antemão,
que receberei um cilício.