segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Defesa.



Meus escudos enuvearam
Todos os espinhos que coloquei à porta de casa secaram
As janelas, agora, abertas
Tua passagem, agora, é mansa
E eu, ali dentro, de braços cruzados
Porque até mesmo as facas eu não acho mais
Nem o grito de socorro que se perdeu na garganta
Convenhamos: quem me salvaria de ti,
Se eu mesmo, o infeliz, abri a porta?

Artifício Mágico



Eu sou usuário de drogas. Bebo álcool e fumo maconha com frequência. Já até me prejudiquei algumas vezes. Esses dias, devo confessar, que me questionei. Estava saboreando meu baseado quando um menino ficou a me fitar de longe, com certa curiosidade. Não tive como não remeter aquela imagem a mim mesmo, uma década e meia atrás. Será que a criança que fui, aquela tão bem ensinada sobre o perigo das drogas, teria orgulho do homem que sou hoje? Bem, se eu me deparasse comigo mesmo anos atrás, eu sinceramente sorriria. Aquela criança, como um ser ingênuo e inocente, jamais entenderia o olhar exausto de um adulto (ai da criança que o entender), e por tamanha inocência, eu não poderia fazer nada além de sorrir para a sua rejeição. Mas agora, muito me admira ter chegado a esse ponto. Porém, eu tenho um aval: a dor da vida é cumulativa, minha pele é sensível demais, doente mesmo. Há tantas cicatrizes imensas por pequenas lâminas que me tornei feio por dentro. Talvez seja problema de queloide. Uma queloide emocional, de alma. Além de perder muito sangue em cada corte. Eu nasci malfeito, forjado à dor. E o alívio vem pouco, quase uma esmola. A droga me dá dez segundos de prazer para a escuridão imensa do tempo. Para mim, há sempre muito o que se pensar e o que se temer. Cada passo, estarei imerso às adagas. Tento sempre o caminho com a menor quantidade delas. Quase nunca o acho. O menino de anos atrás nunca foi ensinado quanto a isso. Ao contrário, deram inúmeras fantasias que foram derramadas pelo caminho, como a demarcar a volta, contudo, a vida comeu todas as migalhas. Ele ficou sem nada e muito faminto. Passou a comer drogas.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Decrescente.



Era manhã de domingo. Estava frio, tanto fora quanto dentro. A cidade dormia e eu, ainda acordado, contava as bolhas de fumaça que saíam da quarta ou quinta xícara de café que acabara de fazer. Naquele domingo, eu estava um ano mais velho. Desliguei tudo o que me conectava ao mundo, acendi um baseado sem medo e contemplei o céu que despertava. Sozinho, como sempre estive nesses vinte e cinco longos anos, me despi em frente ao espelho. Poderia enumerar mil e um defeitos, mesmo tendo conquistado o corpo que sonhei, mas não, apenas quis me ver completo, sem pretensão lógica alguma. Meu corpo, assim como minha vida, sentiu a frieza de existir e a solidão de continuar. Estava frio, minha pele arrepiava. Estava frio, meus pulmões adormeceram. A fumaça, costumeiramente amarga, se fez doce. A costumeira euforia deu lugar à retenção. E eu procurava a cada canto algo que delatasse a poesia que perdi. A vida mostrou-se uma verdadeira droga! E o céu, acima, pintava minha verdade triste com suas cores mornas, com uma saudade que nunca consegui suprir, enquanto o dia se fazia lá embaixo. Apenas ouvia os carros. Alí, tudo pedia um soundtrack, uma melodia de tema. Mas não, apenas quis ouvir o dia monótono que estava por vir. O apartamento, então pequeno, agigantou, bem como em todos os dias que a solidão vinha fazer sala. Nessas horas de sobra de reflexão, me peguei traçando o gráfico da minha caminhada. Mais parecia uma função do segundo grau, em que o ponto máximo era exatamente aquele dia, meus vinte e cinco. A partir dali, tudo seria decrescente. Ao que dizem, a queda é mais rápida que a subida. Interessante que bem no parabéns renegado e no feliz aniversário que rejeitei, eu estaria entre os planos da vida em diante, dos dias após os vinte e cinco. Logo chegaria os vinte-e-cinco-e-um-dia, e tudo seria decrescente. Muito sempre me admirou o festejo tão intenso e fanático à vida que pessoas comuns se prestam a vida inteira. Às vezes penso ser uma auto compensação às frustrações que se acumulam pouco a pouco e, no fim, o prazer real vai ficando escasso. Eu já não me dou essa prerrogativa. Aliás, a única prerrogativa que me dei àquele dia foram o café morno e o baseado. E o barulho dos carros e dos meus pensamentos. Mas, principalmente, a luz branda do Sol que levantava, que em muito se assemelhava às manhãs da minha infância. Àquele dia, estava numa montanha russa, de mãos levantadas, preparadas para a descida. Porém, sem sustos ou solavancos, apenas a leve ansiedade para que tudo acabasse.

terça-feira, 4 de novembro de 2014



E ele pôs-se a rir do próprio reflexo no espelho. Percebi claramente que era a velha tentativa clichê de rir para não chorar. Pareceu-me dar-se conta do que era anos atrás. Arrisco a até dizer, categoricamente, que pensou que a criança que fora não se orgulharia daquele reflexo. Mas, para ele, graças aos Céus que crescera. Triste é a criança que entende o olhar exausto de um adulto. E ele, meu Deus, estava contando sempre um dia a menos nos calendários que se seguiram.

domingo, 26 de outubro de 2014



Tem gota de chuva que nasceu para ser nuvem; assim como um poema não existe por vinte e quatro horas. Portanto, nunca veja a morte com olhos de terror, veja-a como é: apenas uma porta.

domingo, 7 de setembro de 2014

Retalhos de Uma Depressão.



A depressão tem me feito visitas. Neste texto a seguir, coloquei vários dos versos que ela me inspirou, como a montar uma colcha de retalhos. Vejamos quando tudo (e se) terminar.

A dor dele era escondida, disfarçava bem com seus altos sorrisos e graça. Arrancava gargalhadas do seu meio, dava a paz que não tinha, ansiava o alento que nunca poderia ter. Os passos, acompanhados, eram firmes. Na liberdade da solidão, a postura caía, a cabeça pesava e os pés mais pareciam estar numa ré da qual não queria sair.
Em casa, ao espelho, era menor que um grão de arroz. O quarto se agigantava cada vez que a porta era fechada. Ao tilintar do giro da chave, toda a sua falsa força desmoronava, como uma barragem que estoura e deixa fluir todo o rio furioso atrás dela. Atrás dele havia tristeza. Atrás dele, havia todas as lágrimas do mundo.
Os olhos, coitado, tinham dois grandes vãos que contornavam suas olheiras de nascença. Duas valas abertas pelas lágrimas quentes. Tão quentes, mas tão quentes, que seu rosto era marcado por cicatrizes de terceiro grau. Sabe, eram feitas de dor. Dor queima, assim como o amor. Amor ele não tinha, mas tinha as cicatrizes de incontáveis queimaduras.
Até o ar lhe faltava. Ele expirava sua dor como um fumante que repele seu vício, mas cuja boca tornou-se uma chaminé. Ele via a si mesmo como um fumante compulsivo por expulsar fumaça. Seu fôlego expelido, preto-piche, perdendo o pouco de vida que custava a assegurar. Dizem que a dor é negra; às vezes queima, às vezes é cruelmente indolor. A dor, pois, apropriou-se de seus pulmões, inebriou sua postura e surrupiou muito do ar que consumia, deixando apenas a fumaça escura e definhada. Estava morrendo aos dias, perdendo muito ar e excedendo a dor. Tanto que só podia expelir o excesso do excesso, e portanto, era a fumaça mais densa que já vira. 
Deus, nosso Senhor, tão misericordioso, foi complacente com sua dor. O tempo fechou-se em cinza e o Sol se escondeu para que não zombasse da sua angústia. Enquanto seus dias passaram às lágrimas, mascaradas pela porta sempre fechada do quarto, lá fora passou-se à chuva. Os céus choraram com ele durante aquela semana de agonia. Seus bramidos de aflição foram sufocados por trovões e as lágrimas foram condensadas à chuva. Ele sentiu-se acalentado, sentiu-se parte do mundo.
Após todo o temporal, num impulso instintivo para aquecer-se, seguiu para onde o Sol se recolhia. O frio não o acompanhou por algum tempo. Assim, pode ver por uns instantes a sua antiga casa. E o céu, o mar, o verde, as cores. Mas logo atrás estava o breu a puxar-lhe. Traçou, então, uma linha com um giz azul. Linha tênue, essa, que separou dois ambientes tão distintos. Do lado esquerdo, estava o inverno eterno, que o sugava. Do lado direito, estava a vida, que ele almejava. Em diante, ele tentou andar sobre aquela linha, pois não queria morrer de frio e sabia que a vida colorida não o aceitaria totalmente. Preferiu acima do muro. A linha tênue de giz azul gravada como a dividir dois territórios (e assim o era) tornou-se um caminho que ele começou a seguir. Porém, era uma corda bamba, na verdade. Ele estava caminhando entre a morte e a vida. Uma o puxava e a outra o repelia. Esta ele queria, a outra ele abominava. Numa batalha tão desigual, esticava apenas o braço direito – se pendesse, que fosse à vida. 
Por aquelas bandas, os corredores atravessavam a linha de chagada pela surpresa. Mal sabiam quando as pernas estancariam, era tudo muito de repente. E a inércia em que se apresentava o pôr-do-sol tirava-lhe a determinação. Nada era como antes. As cores eram apenas cores. A poesia o deixara. Decidiu, então, perpendicularmente à linha de giz azul, traçar com giz branco sua própria linha de chegada, já que o horizonte não atendeu ao seu apelo. Traçou-a com tanta força, que teve quase um palmo de espessura. Acima, gravou com mais força ainda: CHEGADA.  Dessa mesma forma, letras garrafais, enormes. Mesmo que por brincadeira, resolveu deleitar-se com aquela visão tão consoladora. Deitou-se naquele chão marcado pelas duas linhas mais simbólicas que já vira, olhou para cima, na esperança fajuta de encontrar a poesia que o largara naquele breu sem fim.