Eu sou usuário de drogas. Bebo álcool e fumo maconha com
frequência. Já até me prejudiquei algumas vezes. Esses dias, devo confessar,
que me questionei. Estava saboreando meu baseado quando um menino ficou a me
fitar de longe, com certa curiosidade. Não tive como não remeter aquela imagem
a mim mesmo, uma década e meia atrás. Será que a criança que fui, aquela tão
bem ensinada sobre o perigo das drogas, teria orgulho do homem que sou hoje?
Bem, se eu me deparasse comigo mesmo anos atrás, eu sinceramente sorriria. Aquela
criança, como um ser ingênuo e inocente, jamais entenderia o olhar exausto de um
adulto (ai da criança que o entender), e por tamanha inocência, eu não poderia
fazer nada além de sorrir para a sua rejeição. Mas agora, muito me admira ter
chegado a esse ponto. Porém, eu tenho um aval: a dor da vida é cumulativa,
minha pele é sensível demais, doente mesmo. Há tantas cicatrizes imensas por
pequenas lâminas que me tornei feio por dentro. Talvez seja problema de queloide.
Uma queloide emocional, de alma. Além de perder muito sangue em cada corte. Eu
nasci malfeito, forjado à dor. E o alívio vem pouco, quase uma esmola. A droga
me dá dez segundos de prazer para a escuridão imensa do tempo. Para mim, há
sempre muito o que se pensar e o que se temer. Cada passo, estarei imerso às
adagas. Tento sempre o caminho com a menor quantidade delas. Quase nunca o
acho. O menino de anos atrás nunca foi ensinado quanto a isso. Ao contrário,
deram inúmeras fantasias que foram derramadas pelo caminho, como a demarcar a
volta, contudo, a vida comeu todas as migalhas. Ele ficou sem nada e muito
faminto. Passou a comer drogas.