quinta-feira, 29 de maio de 2014

Eu quero morte!

Que venham as sombras, o frio e o luto.
Que venham as lágrimas que dão forma à dor.
Que venham os soluços que desnudam o sofrimento.
Que venham os dias de garganta apertada.  
Que venham a cola e os curativos.
Que venham os corvos e urubus.
Que também venha o preto da conformação.

Dê-me morte, por favor! Chama-me sádico, louco ou mau, mas dê-me morte.

Deixa-me ver o amor sangrar, gritar e apodrecer. Eu quero morte!
Deixa-me sentir o cheiro do putrefo que sobrar. Eu quero morte!
Deixa-me involucrar das sombras e do frio. Eu quero luto!
Deixa-me ver as lágrimas, elas dizem o que é dor. Eu quero morte!
Deixa-me cansar pelo choro denunciado. Eu quero morte!
Deixa que pousem corvos e urubus.
Deixa que limpem tudo.
Eu quero morte!

Só, por súplica, leva esse “e se” para longe de mim. Amor que respira isso não vive, vegeta.

domingo, 18 de maio de 2014

O Pequeno Guerreiro



Eu nasci guerreiro. Ou melhor, não nasci, mas sou. Isso muda muita coisa. Digo isto porque minha integridade foi respeitada desde muito infante. Sempre fui inteiro, nunca sobrei, nem faltei. Nunca usurpado ou camuflado.
 Lembro-me de minha mãe a costurar minha armadura de pano e papel. Lembro-me da sua magia, ao transferir todo o seu afeto do instinto protetor para o que eu usaria eternamente. Assim pensava ela. Na verdade, penso que ela só quisesse preservar a essência que me cabia inteira, nunca sobrando, nem faltando. Então, me fiz poderoso desde criança. E carreguei aquela armadura como uma dádiva. Fui soberbo, admito. Também fui arrogante e intolerante. Me mantive só. Pois é, ela não previu o meu próprio envenenamento – Aliás, “veneno” é uma palavra forte em demasia, implica morte. Prefiro intoxicação, acho mais adequado.
Porém, o que esteve em seus planos, fracamente, foi a minha preservação. Deu certo – até certo ponto. Mantive-me íntegro à minha essência, nunca usurpada ou camuflada. Mantive-me estranho ao resto dos outros. Mantive-me livre do lixo e da poeira. A tal armadura era forte o suficiente. Qualquer ferimento que, por ventura, aparecesse, era de única responsabilidade minha. Ou seja, minha pele estava intacta. E, apesar de usar aquela coisa que me prendia e me isolava da experiência da vida, eu estava livre. Nunca duvidei de que sua maior preservação fora minha liberdade. Mas isso custou-lhe muito. Houve pedras e injúrias quanto ao seu amor por sua cria. Contudo, ela nunca esquecia de abrir a porta pouco antes do amanhecer. E assim, contemplava-me a gozar de minha existência com paixão e alegria. Via-lhe o sorriso no rosto e isso bastava, tanto para mim, quanto para ela. Mas eu cresci. De repente.
Tenho que dar-lhe a notícia. A aflição que me toma em abraço já não consigo conter. Não quero ver-lhe o choro no rosto, nem a decepção. Mas o mundo foi mais forte. Aliás, o mundo detém toda a força que existe. E ela é apenas uma mulher. O mundo guerreou contra nós dois de forma injusta. Combateu fogo com muito mais fogo. Com amor ela me vedou. E com amor eu me desfiz. Pura covardia. O mundo não respeitou minha integridade. Ninguém, na verdade. Apenas ela.
Talvez o tecido fosse fraco demais, ou o papel estivesse muito envelhecido. O que posso afirmar é que a armadura não sobreviveu à queda. O mundo é perspicaz demais, tudo aconteceu de dentro para fora. O amor brotou, como uma coleira que me açoitava. O desrespeito iniciou-se a partir deste maldita coleira. Não tive como fugir, e ela há de me perdoar. Bolei muitas estratégias, mas todas muito falhas. O mundo é um cavaleiro impiedoso. Acabei que fui acuado e colocado sem saída. O orgulho, então, falou mais alto. É para ferir? Antes eu que o amor! Pulei. Não me perdoaria caso sentisse aquela mão tenebrosa me empurrar. Porém, a armadura não suportou o baque.
Hoje eu sinto frio. Sei o que é a sujeira. Hoje eu apresento cicatrizes por entre as migalhas que carrego no corpo do que já foi, um dia, a prova da minha divindade. Hoje eu sou tratado com gargalhadas por onde passo. Sim, porque, ainda insisto em carregar os fragmentos do maior presente que já tive. Hoje eu preciso me modificar e me dobrar ao mundo. Hoje penso que este mundo só pode ser mais bonito visto lá de cima, essa é a única explicação para que eu caminhe aqui. Hoje eu só não sei como abraçá-la para pedir todo o perdão que não mereço.