quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Penhasco.

E eu finalmente compreendi a coragem. Eu fugi muito, todo mundo sabe. O medo foi mais forte. Mas eu quero ser franco, então, sendo franco: não podemos fugir de nós mesmos. O travesseiro nos acusa; o espelho nos acusa; os olhos dos outros nos acusam. É um tribunal permanente. Eu estava a um passo de enlouquecer – seria mais uma vítima do amor – então eu tive que decidir. Contudo, analisando bem, paguei do mesmo jeito. Não com o juízo, mas com o corpo inteiro. Eu tô todo quebrado. Traumatismo craniano e vários hematomas. E sabe lá Deus quantas feridas para cicatrizar. Hoje, só o choro é contido, porque a dor permanece. E só ela é o troféu que posso exibir pelo meu ato de coragem. Eu poderia até ganhar uma medalha por isso, porque meu orgulho tá à merda. Mas não competi com ninguém além de mim mesmo, então, prêmio pra quê? Eu saí perdendo. E olha que isso só me custou um passo, tecnicamente. Na verdade, olhando esse penhasco inteiro daqui de baixo, um passo é tanta coisa. Se eu pudesse batizar esse penhasco, não o chamaria de Coragem, e sim de Verdade. O penhasco Verdade. A verdade que eu tive foi o amor. Ele, e unicamente ele, é o culpado de homicídio. Mas amor não mata, cura, é o que dizem.  O que posso dizer é que morri de amar. Olho para o tamanho da queda e vejo que morri mesmo, só falta o atestado. Mas eu vou confessar: o corpo que jaz nestas pedras é de um suicida. “Amor, por favor, retire-se... Não, não! Volte aqui! Você ainda tem culpa no cartório!”. Eu não quero ser julgado por isso, apenas pelo meu ato de coragem. Eu admiti a verdade. Eu admiti que amo. E admitir a verdade de amar é a coragem de se estar vivo. Mas eu, agora, estou morto. Não sei se foi pecado ou burrice. Tanto faz, mereço o inferno do mesmo jeito, não passo nem pelo purgatório. Eu entreguei o que de mais lindo já cultivei e cuidei. Entreguei e previ no lixo, logo em seguida. Então, antes que sentisse a tua mão me empurrar, preferi, eu mesmo, dar um passo pra trás.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Hipotermia.

Se imagino o amor, vejo o frio.
Ora, o que é o amor senão desnudar-se para, então, morrer de frio?
A criança recém-saída do ventre busca veementemente abrigar-se do frio, mas o frio é sua sina perpétua.
Portanto, o amor é a sentença de troca, uma esperança fajuta de lutar contra a própria fragilidade.
E esse destino fatal mostra que por mais que cresçamos, não passamos de crianças que tremem de hipotermia.