– Eu só tenho a agradecer. – Disse, me afastando da bancada
da mesa. A minha mochila já estava pronta, no sofá.
Ela estava parada, estática e apática, me olhando com
veemência. Parecia ter ficado surpresa com a minha atitude brusca de ir embora,
como se estivesse segura demais de que eu a necessitava mais que o contrário. A
mão apoiada na cintura foi levada ao cabelo, arrumando alguma imperfeição
fantasiosa, criada pelo impulso de nervosismo ao não saber o que fazer naquele momento.
A demora para dizer alguma coisa só fez transparecer seu
empasse, entre preservar o orgulho e assistir a tudo ser jogado no ralo,
deixando intacta sua imagem de que tinha o que precisava e eu era uma mera
carta a ser jogada fora do baralho, ou fazer uma última súplica, exprimindo a
vontade de me ter por perto, nem que fosse para uma “escora” que a levantaria
sempre que precisasse. Como eu sabia disso? Eu não sabia peremptoriamente, mas
ela era dividida entre a emoção e o orgulho desde nascença. A popularidade não
a ajudou, talvez até a tenha deixado vulnerável, como um cordeiro quando entra
em terra de lobos. Mas não seria eu quem a avisaria. Na minha cabeça carregada
de rancor, eu já tinha feito muito, e agora que as palavras que tanto esperei
haviam sido cuspidas na minha cara, ela não era mais problema meu.
– Você entendeu errado... – Ensaiou uma tentativa patética
de desculpas.
– Eu sabia que esse momento chegaria, e não tente zombar de
minha inteligência, eu ouvi tudo. Mas eu sinceramente te agradeço, porque
aprendi muito aqui. Mas é hora de partir. – Tentei dar as costas, contudo,
ainda havia palavras correndo nas minhas veias:
– Não sem antes te prometer que você nunca mais sentirá
minha “presença negativa”. Agora você e o resto dos seus – que um dia julguei
serem meus também – se livrarão deste estorvo que é a minha companhia.
Segurei as lágrimas até atingir uma distância segura daquela
casa, e até mais, pois tive medo de que alguém viesse atrás de mim. Mas ninguém
veio, o que só ressalvava a desimportância que eu tinha para eles.
Inconscientemente eu guardava a esperança de que alguém viria, pelo menos um
deles. Nem que fosse para me acompanhar em silêncio até eu dobrar a esquina.
Mas não, eu caminhei sozinho até a minha casa. E o caminho era longo demais
para que aguentasse até o fim com as lágrimas presas nos olhos. Eram tão
pesadas que senti que iria cair, inerte, no chão, quando a primeira delas rolou
rosto abaixo. Mais uma vez eu estava a destruir tudo o que construíra durante
tantos anos.
Fazia aquele caminho pela última vez, assim esperava. Apesar
de sentir que aquela situação demasiada desagradável ocorreria a qualquer
momento – e até clamava por ela, devido a angústia que me causava essa
premunição – ouvir tudo aquilo de pessoas que tanto amei foram como adagas me dilacerando
as entranhas. Me senti atingido no orgulho. Poucas palavras foram o suficiente
para me rasgar de baixo à cima e o bastante para que eu apagasse de vez todas
aquelas pessoas que tanto presei um dia.
Eles preferiam alguém que os fizesse rir a alguém que os
segurasse a fidelidade. Preferiam bem mais quem soubesse falar o que seus
ouvidos pediam, a alguém que entregasse a verdade como o melhor caminho.
Preferiam quem se embriagasse com eles, ao invés de quem os cuidasse com todo
carinho. Preferiam as montanhas de palavras vazias, ao silêncio inteligente de
quando o menos é mais. Mas essa pessoa eu nunca poderia ser, nem se quisesse.
Aquela pista de paralelepípedos me fazia sangrar a cada
tropeço. Eu estava jogado à lama, como um legume que não serve mais para o
banquete e é lançado aos porcos. Mas nem no chiqueiro eu fazia sentido. Para
quem estava sempre num ponto entre uma coisa e outra, nenhum lugar faria
sentido. Eu estou entre o tolo e o inteligente, o louco e o são, o falante e o
mudo, o agradável e o insuportável, entre homem e mulher, mas nunca na certeza
de cada extremo. Como se o destino tivesse me expulsado de algum lugar tão
longe quanto não se possa ver; e eu tivesse caído de paraquedas nesse mundo.
Minha busca era por um lugar, talvez esteja aí o meu erro. Não passo de um
vagante da solidão. Um incerto, um inconveniente, um inadequado.
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