domingo, 3 de março de 2013

O inadequado


– Eu só tenho a agradecer. – Disse, me afastando da bancada da mesa. A minha mochila já estava pronta, no sofá.
Ela estava parada, estática e apática, me olhando com veemência. Parecia ter ficado surpresa com a minha atitude brusca de ir embora, como se estivesse segura demais de que eu a necessitava mais que o contrário. A mão apoiada na cintura foi levada ao cabelo, arrumando alguma imperfeição fantasiosa, criada pelo impulso de nervosismo ao não saber o que  fazer naquele momento.
A demora para dizer alguma coisa só fez transparecer seu empasse, entre preservar o orgulho e assistir a tudo ser jogado no ralo, deixando intacta sua imagem de que tinha o que precisava e eu era uma mera carta a ser jogada fora do baralho, ou fazer uma última súplica, exprimindo a vontade de me ter por perto, nem que fosse para uma “escora” que a levantaria sempre que precisasse. Como eu sabia disso? Eu não sabia peremptoriamente, mas ela era dividida entre a emoção e o orgulho desde nascença. A popularidade não a ajudou, talvez até a tenha deixado vulnerável, como um cordeiro quando entra em terra de lobos. Mas não seria eu quem a avisaria. Na minha cabeça carregada de rancor, eu já tinha feito muito, e agora que as palavras que tanto esperei haviam sido cuspidas na minha cara, ela não era mais problema meu.
– Você entendeu errado... – Ensaiou uma tentativa patética de desculpas.
– Eu sabia que esse momento chegaria, e não tente zombar de minha inteligência, eu ouvi tudo. Mas eu sinceramente te agradeço, porque aprendi muito aqui. Mas é hora de partir. – Tentei dar as costas, contudo, ainda havia palavras correndo nas minhas veias:
– Não sem antes te prometer que você nunca mais sentirá minha “presença negativa”. Agora você e o resto dos seus – que um dia julguei serem meus também – se livrarão deste estorvo que é a minha companhia.
Segurei as lágrimas até atingir uma distância segura daquela casa, e até mais, pois tive medo de que alguém viesse atrás de mim. Mas ninguém veio, o que só ressalvava a desimportância que eu tinha para eles. Inconscientemente eu guardava a esperança de que alguém viria, pelo menos um deles. Nem que fosse para me acompanhar em silêncio até eu dobrar a esquina. Mas não, eu caminhei sozinho até a minha casa. E o caminho era longo demais para que aguentasse até o fim com as lágrimas presas nos olhos. Eram tão pesadas que senti que iria cair, inerte, no chão, quando a primeira delas rolou rosto abaixo. Mais uma vez eu estava a destruir tudo o que construíra durante tantos anos.
Fazia aquele caminho pela última vez, assim esperava. Apesar de sentir que aquela situação demasiada desagradável ocorreria a qualquer momento – e até clamava por ela, devido a angústia que me causava essa premunição – ouvir tudo aquilo de pessoas que tanto amei foram como adagas me dilacerando as entranhas. Me senti atingido no orgulho. Poucas palavras foram o suficiente para me rasgar de baixo à cima e o bastante para que eu apagasse de vez todas aquelas pessoas que tanto presei um dia.
Eles preferiam alguém que os fizesse rir a alguém que os segurasse a fidelidade. Preferiam bem mais quem soubesse falar o que seus ouvidos pediam, a alguém que entregasse a verdade como o melhor caminho. Preferiam quem se embriagasse com eles, ao invés de quem os cuidasse com todo carinho. Preferiam as montanhas de palavras vazias, ao silêncio inteligente de quando o menos é mais. Mas essa pessoa eu nunca poderia ser, nem se quisesse.
Aquela pista de paralelepípedos me fazia sangrar a cada tropeço. Eu estava jogado à lama, como um legume que não serve mais para o banquete e é lançado aos porcos. Mas nem no chiqueiro eu fazia sentido. Para quem estava sempre num ponto entre uma coisa e outra, nenhum lugar faria sentido. Eu estou entre o tolo e o inteligente, o louco e o são, o falante e o mudo, o agradável e o insuportável, entre homem e mulher, mas nunca na certeza de cada extremo. Como se o destino tivesse me expulsado de algum lugar tão longe quanto não se possa ver; e eu tivesse caído de paraquedas nesse mundo. Minha busca era por um lugar, talvez esteja aí o meu erro. Não passo de um vagante da solidão. Um incerto, um inconveniente, um inadequado.



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