Às vezes, eu canso de tentar. Eu caí aqui de para-quedas,
sem bagagem nenhuma e sem ao menos uma recepção de boas-vindas. Ando pelas
trilhas desse mundo numa bolha isolante. Tento arrancar um sorriso meu ao ver
os outros, mas é muito complicado. É frustrante ver que, para eles, é tão
simples, tão fluente. E ainda te vêem como um completo estranho, te
marginalizam por ter uma diferença astral. É quando você se sente a pior das
criaturas. Não há palavras, não há olhares, nada! O que fica é a perda de tempo.
Sim, porque é quando você desperdiça umas boas horas, com a falsa esperança de que
tudo vai mudar daquele instante em diante. E é nessa cena que entra a
realidade, como um trator, sem piedade alguma. Destrói tudo. Olha, devo
confessar que, a essa altura, às vezes nem dói tanto assistir tudo de braços
atados, trabalhando apenas a favor da gravidade. Mas as forças se vão. Se vão e
deixam um vazio enorme como recompensa por não blasfemar contra do destino. Há
dias em que esse baque é leve o suficiente para que eu não chore, mas há outros
que fico estirado ao chão, tentando ao máximo não me mover nenhum pouco, pois
só o fato de respirar dói o bastante. É aí que geralmente olho para o céu e
faço uma pergunta: “O que queres de mim, Senhor?”.
Os dias de me perguntar constantemente o que tudo significa
ainda não se foram. Eu não entendo esse mundo. Parece que o DNA humano não
configurou muito bem com meu espírito esquizofrênico, diferente, distante. Eu
vivo pra desvendar as pessoas, vivo para tentar achar uma brecha nessa bola de
aço maciço em que vegeto, e que me impede de viver em comunhão total. Ela me
proporcionou uma individualidade fora do comum; sinto que por mais que eu
mostre todo um jardim que cultivei durante toda a vida, os outros nunca vão
parar para enxergar. Há muitos instintos guiando essa espécie e acabam por ser
mais individualistas do que eu. Os interesses corrompem as relações, deixando
momentos de felicidade descreditados. O amor é vivido em migalhas, diante de
muita coisa desnecessária. Há um peso por amar. Há o preço que o amor paga em
sangue pelo próprio individualismo e o individualismo alheio. Culpa apenas da
evolução.
Já tentei sobreviver aqui, em minha forma natural. Estive,
durante muito tempo, com o espírito acima da carne. Mas isso despertence à
realidade desse mundo. Há tantas adagas voando em todas as direções que estava
insuportável viver desse jeito, e a escolha foi feita. Caso eu não me
adaptasse, não suportaria muito tempo. Sinto que há algo a fazer aqui, algo
grandioso, pelo menos pra mim. Mergulhei na poça de lama. Sendo melodramático,
mas não menos realista, talvez seja esse meu último suspiro. Seja essa a mão
que eu estendo à vida neste planeta, o último esforço que faço para conseguir
ficar de pé e continuar. A lama, que hoje impregna meu corpo, é a proteção que
lanço à minha alma, já que, aparentemente, não há pele e ossos suficientes para
comportá-la.
Todos esses problemas seriam resolvidos por um mediador. Há
alguém que o destino sugou para longe de mim. Há alguém que deveria estar aqui,
mas não está. Esse alguém seria meu mestre, assim penso. Sinto que não aprendi
a respirar os ares daqui, não aprendi a suportar o peso constante sobre a
cabeça, não aprendi a usar meu corpo. Isso é doloroso demais. Tenho que
aprender tudo na marra, sozinho. É aí que as noites vêm e me mostram que estou
muito só. Há manhãs que vejo o céu, pergunto por respostas; pergunto quando
estarei completo novamente. Não sei se encontrarei o fio que unirá todas as
minhas partes como se deve, quem sabe não está em alguma esquina?
O caminho está mais nublado a cada passo. E eu morro de
medo. Tenho medo por não enxergar, por não ver onde estou pisando e onde meus
passos vão me levar. Tenho medo de me deparar num lugar estranho. Se bem que é
tolice de minha parte, já que eu sou o retrato nítido, em 3x4, da diferença.
Mas o medo é uma das emoções humanas e eu sou humano agora. A lama pode me
deixar mais vulnerável, então, já que não tinha tanto medo dessas estradas
antes. No mais, aos dias, vou arrumando a mala. Deixo-a preparada, embaixo da
cama. Algum dia eu terei que voltar, já que aqui sou estrangeiro. E tenho que
confessar, de coração aberto, que sinto muita saudade – nem sei de que,
exatamente, mas sinto.