segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Castanho.

Ele chegou em casa chorando. Não queria demonstrar, mas acabei percebendo. Limpava os olhos a cada instante e a cara inchada o dedurava. Como de costume, falou pouco – menos ainda que o habitual – e entrou no quarto, e só saiu para necessidades fisiológicas. Não comeu e nem tomou banho.
O vi cultuar os cabelos longos e azuis desde pequeno, mas já uns dias que a raiz estava castanha, uma cor comum. Além de prender com um fiapo de tecido o que sempre fez questão de exibir tão orgulhosamente. Ele estava crescido, beirando seus valentes vinte e dois anos, mas seus cabelos azuis denunciavam sua essência de menino.
E o sorriso de outrora, forte, adoeceu. Se armava como quase uma obrigação para não se dar por vencido numa batalha perdida, para ele. O mundo mostrou-lhe os dentes e deu-lhe as boas vindas com as garras. Seu lindo cabelo azul, agora, doía. O espelho apontava a cor como um delator que denuncia um crime bárbaro. Em diante, seria ele ou o azul.
Sentou-se de frente para o espelho, completamente nu. Não soltou os cabelos, manteve o fiapo num nó forte, como a extirpar um tumor. Enlaçou a tesoura com o médio e o polegar e cortou a primeira mecha. Uma lágrima, teimosa, demorou a escorrer. Mas logo vieram muitas outras. A postura, então ereta, caiu. Seu espírito estava no chão.
A dificuldade do primeiro corte foi ofuscada pela agilidade dos cortes seguintes. Logo toda a cabeleira derramou-se pelo quarto. A aura azul foi suplantada pela realidade cotidiana, enquanto eu brechava , impotente. Sua nova cabeça marcada no espelho, tão castanha quanto qualquer outra, o tirava ainda mais lágrimas.
Ele demoraria a se acostumar com aquilo.
Recolheu todos os fios azuis do chão e jogou no lixo fora de casa.