Ele chegou em casa chorando. Não
queria demonstrar, mas acabei percebendo. Limpava os olhos a cada instante e a
cara inchada o dedurava. Como de costume, falou pouco – menos ainda que o
habitual – e entrou no quarto, e só saiu para necessidades fisiológicas. Não
comeu e nem tomou banho.
O vi cultuar os cabelos longos e
azuis desde pequeno, mas já uns dias que a raiz estava castanha, uma cor comum.
Além de prender com um fiapo de tecido o que sempre fez questão de exibir tão
orgulhosamente. Ele estava crescido, beirando seus valentes vinte e dois anos,
mas seus cabelos azuis denunciavam sua essência de menino.
E o sorriso de outrora, forte,
adoeceu. Se armava como quase uma obrigação para não se dar por vencido numa
batalha perdida, para ele. O mundo mostrou-lhe os dentes e deu-lhe as boas
vindas com as garras. Seu lindo cabelo azul, agora, doía. O espelho apontava a
cor como um delator que denuncia um crime bárbaro. Em diante, seria ele ou o
azul.
Sentou-se de frente para o
espelho, completamente nu. Não soltou os cabelos, manteve o fiapo num nó forte,
como a extirpar um tumor. Enlaçou a tesoura com o médio e o polegar e cortou a
primeira mecha. Uma lágrima, teimosa, demorou a escorrer. Mas logo vieram
muitas outras. A postura, então ereta, caiu. Seu espírito estava no chão.
A dificuldade do primeiro corte
foi ofuscada pela agilidade dos cortes seguintes. Logo toda a cabeleira
derramou-se pelo quarto. A aura azul foi suplantada pela realidade cotidiana, enquanto
eu brechava , impotente. Sua nova cabeça marcada no espelho, tão castanha
quanto qualquer outra, o tirava ainda mais lágrimas.
Ele demoraria a se acostumar com
aquilo.
Recolheu todos os fios azuis do
chão e jogou no lixo fora de casa.