segunda-feira, 31 de maio de 2010

O menino e o pardal.



Acordei numa manhã de sábado. Não tinha escola e nada para fazer.
Nunca fui de fazer amigos, os garotos eram chatos.
Prefiro a solidão mesmo, mesmo que sempre esperando por um amigo (Me contentaria muito com um apenas).
Mas, não tinha nenhum à vista.
Então, sentei-me na varanda para admirar o dia.
Tudo estava entediante (Como sempre, devo ressaltar).
Entre uma balançada e outra, algo me tirou a atenção do vasto horizonte que estava à minha frente.
Era um assovio, que, se não me falham os ouvidos, era de um pardal.
Procurei pelo dono do piado.
Olhei para cima e para baixo. De um lado para o outro, até que achei o tal passarinho.
De fato, era um pardal. Mas um pardal singular e visívelmente especial.
Era um pouco menor que os outros. E suas cores também não eram comum para a espécie: Todo azul com as pontas das asas e da cauda verdes.
Perguntei o que havia. Meio receoso e com um pouco de medo, respondeu que estava com fome.
Prontamente, pedi-lhe para que esperasse um pouco, e com a cabeça, respondeu que sim.
Entrei em casa, peguei um pouco de alpiste e despejei perto dele.
Estava realmente com fome, não deixou um grão sequer.
Sentei-me novamente e comecei a balançar-me, esperando que ele terminasse.
Assim que terminou de comer, voou até o braço de madeira da cadeira de balanço e aos poucos, fui descobrindo sobre sua vida.
Contou-me sobre suas aventuras e voadas pelo mundo a fora. Sobre sua alimentação e sua solidão.
O pardal parecia muito comigo. Era meio solitário, muito inteligente e engraçado. Tinha um jeito próprio e original.
Conversava muito bem e era atencioso comigo.
Apresentei-o à música e ele gostou. Escutamos, então, várias. Gostou de quase todas.
Estava afeiçoado aquele pássaro e, num dado momento, perguntei se poderia dar-lhe um nome.
"Sim", respondeu.
Perguntei se de Pequenino ele gostava. Não houve objeção.
Coversamos sobre tudo naquele dia. O descobri e ele me descobriu.
Revelamos alguns medos e outros e quaisquer segredos.
Realmente era um pardal muito singular e isso me encantou como nunca estive.
Brincamos a tarde inteira. Adivinhação, esconde-esconde, e uns jogos de tabuleiro.
Li algumas crônicas para ele e uns contos também.
Estava certo que havia encontrado um amigo que tanto pedi. Sim, levaria-o para o resto da vida.
Apesar de não ser humano, não tinha problema algum, eu o vi e ele me viu. Convicto de que um laço havia sido feito.
A tarde já estava caindo e não percebemos.
Então, sentamos embaixo da árvore que tinha em frente à minha casa para ver o sol se por.
Logo, seria a hora dele ir, não poderia prendê-lo.
Questionei-o se no outro dia ele viria, respondeu que sim.
Quando estava me levantando, sem a intenção, pisei de leve em sua asa. Creio que o tenha machucado.
Perguntei se estava bem e a resposta foi sim. Perguntei também se daria para voar e a resposta também foi sim.
Não tive tempo de dizer adeus, levantou voo e foi-se com o crepúsculo como paisagem.
Entrei em casa.
Tomei café pensando no meu novo e único amigo.
Fui dormir relembrando os momentos do sábado.
Sonhei.
Acordei, coloquei os chinelos e fui correndo para a varanda.
Mamãe mandou-me voltar para tomar meu café da manhã, e contrariado, tive que fazer o que ela havia mandado.
Engoli tudo e sai.
Sentei-me de novo na cadeira de balanço e esperei.
O dia estava nublado. Cinza.
A manhã toda ouviu-se o ranger da velha cadeira.
O horário do almoço chegou e ele não apareceu. Tive que entrar.
Comi tão rápido como fiz pela manhã e voltei para a varanda.
O dia continuava cinza.
A tarde passou-se lenta e esperançosa para mim. É, passou.
A noite já caía e eu continuava olhando para o céu.
Ví a primeira, a segunta, a terceira estrela...
A escuridão inundou o meu redor e o frio começava a chegar. Eu ainda estava sentado.
Com broncas, entrei em casa para tomar banho e dormir.
Deitei a cabeça na cama e me perguntei o porque do Pequenino não ter vindo.
Será que foi pela pisada na asa do coitado?
Mas foi sem querer, eu pedi desculpas.
Demorei a pegar no sono.
Acordei e fiz o mesmo ritual de antes.
Olhei para o céu o dia inteiro, e nada do Pequenino.
Me entristeci quando percebi que o sol tinha descido sem eu me dar conta.
Logo, tive que ir dormir.
E assim se seguiu por mais três dias.
Estava triste e mamãe já se preocupava.
Numa manhã, levantei, tomei meu café e perguntei a mamãe se poderia dar uma volta pela cidade.
Vendo o meu estado, ela consentiu.
Tomei um banho, vesti uma roupa e fui andar.
Na verdade, esse passeio seria uma procura pelo Pardal azul.
Olhei pelas árvores e pelo imenso céu. Nenhum sinal dele.
Tentei conversar com alguns pardais, mas eles não tinham o costume de falar com os humanos.
Um desespero chegou como não quer nada e alastrou-se.
Imaginei nunca mais vê-lo e não ter mais sua companhia.
Sinceramente, era uma fina e sentida tortura.
Com o passar dos dias, tive uma obssesão: Tentei achar os seus trajeitos e sua peculiaridade nos outros seres.
Caminhava pelos cantos, olhando de lado a lado. Desesperado por algo que me remetesse a ele.
Tentei achar sua cor numa corsa. Sua inteligência num gato siamês. Seu senso de humor num cavalo andaluz. E suas palavras num morcego pescador.
Sabe? Não adiantou. Chorei igual a um condenado e me convenci que não encontraria partes dele em nunhum lugar.
Deus o fez inegavelmente único.
Uns dois meses se passaram. A lembrança do pardal não se apagou. Apenas a minha inquietação acalmou-se.
Tenho certeza de que ele não se apagará, e nem os momentos que passei ao seu lado.
Sua ausência é uma mutilação e me deixou um vazio muito grande. Nunca tive um amigo e ele era o que eu sempre pedi.
Às vezes tento entendê-lo, nunca consegui odiá-lo.
Mas algo me falta.
Olho sempre que posso para o céu, esperançoso ainda, adimito.
Sempre tenho a impressão que ele virá.
Sim, virá.
Queria sua presença por pelo menos alguns momentos.
Que eu possa vê-lo de novo e pedir desculpas pelo machucado em sua asa.
Que possamos conversar e sorrir novamente.
Rogo aos céus que me dê pelo menos mais um dia com o pardalzinho que me fez feliz.